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Marta O meu canto

Guardamos tanta coisa só para nós - opiniões, sentimentos, ideias, estados de espírito, reflexões, que ficam arrumados numa gaveta fechada... Abri essas gavetas, e o resultado é este blog!

Marta O meu canto

Guardamos tanta coisa só para nós - opiniões, sentimentos, ideias, estados de espírito, reflexões, que ficam arrumados numa gaveta fechada... Abri essas gavetas, e o resultado é este blog!

Quando somos o nosso maior inimigo...

Lembro-me de um comentário tão inofensivo e banal que, aos ouvidos de qualquer outra pessoa, poderia ter passado despercebido, como algo que entra por um lado e sai logo em seguida pelo outro. E acredito que não seria mais do que isso.

Mas naquele momento, foi como se se fizesse luz na minha cabeça, ou melhor dizendo, foi o que quase me levou a um caminho bem sombrio.
Tinha 14 anos na altura e, como dizia quem me conhecia, era uma rapariga bem constituída.

Não era magra, como uma das minhas amigas, mas também estava longe de ser gorda.

Naquele dia, estava eu com as minhas duas amigas a conversar, e surgiu aquela frase - de nós 3, eu era a mais "cheinha"!

É óbvio que não devo ter gostado muito dessa ideia. Penso mesmo que foi a partir daí que comecei a fazer a minha primeira dieta.

Fui cortando aqui e ali, deixando de comer isto e aquilo, e os resultados começavam a fazer-se sentir, deixando-me bastante animada.

Tive que apertar quase todas as minhas calças que, entretanto, ficaram largas demais para as minhas pernas, mas via isso como uma vitória!

Fui emagrecendo mais, e mais, e mais - mas para mim não era ainda o suficiente.

Olhava-me ao espelho e pensava - só mais um bocadinho e está bom. Só que por mais bocadinhos que emagrecesse, havia sempre algum que ainda faltava.

Mesmo quando todos à minha volta afirmavam que eu estava demasiado magra, que tinha um corpo bem feito e estava a estragar tudo, eu permanecia cega e surda. E assim passei dos meus 57,5kg para uns míseros 43,5kg.

É o comportamento típico de alguém que sofre de anorexia: uma percepção distorcida do próprio corpo que nos leva a achar que, por mais magros que estejamos, continuamos gordos. Há um medo intenso e irracional de ganhar peso, e enveredamos por rígidas dietas loucas e jejuns que nos levam a uma desnutrição grave e, até mesmo, ao envelhecimento prematuro. Muitas vezes aliamos também uma prática excessiva de actividade física.

Mesmo para pessoas que até se podem considerar inteligentes, tanto a opinião dos outros sobre si, como o estereótipo que lhes impõem, de que a magreza é fundamental para o sucesso social e económico, pode ser determinante para despoletar este tipo de comportamento.

Para quem não conhece o problema, é estranho como alguém "normal" pode considerar-se acima do peso, estando muito abaixo.

Felizmente, não me deu para provocar o vómito, nem tomar diuréticos ou usar laxantes. Nunca cheguei a ser internada nem medicada. Também nunca fiz terapia de grupo nem familiar - nessa altura não havia uma preocupação tão grande com este problema como de há uns anos para cá.

O meu pai tentou muitas vezes chamar-me à razão, alertar-me para o que estava a fazer com a minha saúde. De carne, já quase não havia sinais, a única coisa que se via era pele e osso.

De qualquer forma, pode-se dizer que, apesar de tudo, não fui um caso grave. Ao fim de algum tempo deve ter havido outra luz que voltou a iluminar o caminho certo, e tudo se recompôs.

Cada um nasce com características próprias, aceites de forma inquestionável, até ao dia em que nos lembramos, ou nos lembram, de fazer comparações com outros.
Penso que seja a partir daí que começam a surgir todos aqueles pequenos grandes "defeitos" que nos fazem sentir diferentes, e que queremos à força corrigir.
Não digo que não possamos melhorar algumas coisas que não nos fazem sentir bem, mas não por imposição, não pelos outros.

Claro que, com a maturidade, muita confiança no nosso valor, e a certeza de que não somos apenas um corpo; que não temos que ser de determinada forma para sermos aceites por esta ou aquela pessoa, conseguimos viver sem os fantasmas que muitas vezes nos impedem de sermos nós próprios, e de nos sentirmos bem, com tudo aquilo que nos torna únicos!