João Gago da Câmara é natural de São Miguel, Açores.
Estudou Engenharia Técnica Agrária no Instituto Superior de Ciências Agrárias, mas a sua carreira profissional passou, contudo, pelo Departamento de Relações Públicas da Presidência do Governo Regional dos Açores, e pela RDP, onde, durante trinta e quatro anos, foi realizador, apresentador e repórter de rádio.
Na televisão, apresentou na RTP – Rádio e Televisão de Portugal - um programa de informação.
Foi também jornalista da imprensa escrita no jornal açoriano “Correio dos Açores” e correspondente nos Açores de “O século” tendo, simultaneamente, fundado o seu próprio jornal, o “Correio do Norte”.
Mais tarde, entrou no mundo da publicidade dirigindo, no arquipélago açoriano, o maior grupo empresarial do mundo na publicidade exterior - a JC Decaux,.
Atualmente, conjuga a atividade publicitária, da sua própria empresa, com a escrita e a aviação de recreio.
“Fragmentos Entre Dois Continentes”, um livro lançado com a chancela da Chiado Editora, reúne diversas crónicas que o autor foi escrevendo ao longo dos anos.
Para nos falar um pouco mais sobre esta obra, e sobre si tenho hoje, como convidado, João Gago da Câmara, a quem desde já agradeço pela disponibilidade.
“Fragmentos Entre Dois Continentes” é a sua mais recente obra. Como é que surgiu a ideia de juntar todos os “fragmentos” escritos ao longo dos anos, e editar este livro?
Acontece que não consegui deixar de escrever após a minha aposentação da RTP – Rádio e Televisão de Portugal – onde, nos Açores, trabalhei ao longo de 34 anos.
Para um jornalista que gosta do que faz torna-se difícil, ou quase impossível, cortar em definitivo com a escrita com que lidamos no dia a dia e que nos enriquece do ponto de vista intelectual. Não consegui! Assim e porque era abordado para colaborações por diversos órgãos de comunicação social, mais precisamente rádios e jornais, decidi continuar, escrevendo semanalmente uma crónica que enviava para todos. Foi daí que nasceu “Fragmentos entre dois Continentes”, uma seleção de textos/crónicas que, também por sugestão de amigos e colegas, acabei por publicar com a chancela amiga da Chiado Editora.
Que histórias podem os leitores encontrar nesta obra?
“Fragmentos entre dois Continentes” aglomera dissertações díspares que foram nascendo ao sabor da criatividade e com o navegar próprio do pensamento, na observação contínua e o mais intimista possível das gentes e das coisas.
E como criança que compõe peças do lego, achamo-nos a brincar com as palavras, que nos deleitam, mas também que nos consomem, e, como num jogo inquieto entre dois amigos, o escritor e as ideias que se transformam em palavras e depois em frases, acabamos por construir textos que vamos fazendo por serem o mais entendíveis possível, dentro da musicalidade que fazemos por encontrar e sempre na preocupação de manter a simplicidade e a objetividade.
Em “Fragmentos entre dois Continentes”, o leitor encontra constatações, do ponto de vista social, político, cultural, religioso, até por vezes recreativo, dentro e fora da ilha (sou um ilhéu açoriano dos quatro costados) e críticas, quando necessárias, às políticas dos Estados e dos homens que vão detendo parte significativa da vida de todos nós. Mas, como não podia deixar de ser, há mergulhos nas coisas belas da infância, no fascínio do nascer de um neto, no recordar da juventude da mãe maravilhosa e do pai forte e protetor, no brincar à beira da lagoa, no lembrar a velhinha que viveu no vale toda uma vida e nunca viu mar, ou o pescador que trabalhava de sol a sol e deitava-se sem comer porque as sopas de pão com leite só davam para o alimento dos filhos.
Conseguiria eleger uma, das várias crónicas presentes neste livro, que mais prazer lhe tenha dado escrever?
Definitivamente não. Cada crónica tem o seu sabor, fruto do lugar onde é escrita, do som ambiente, da cor do céu ou do mar, do cheiro da floresta da ilha, que nos vão envolvendo quando vamos pondo palavras ao papel. No estado de espírito com que nos achamos ao saber que se aliena quase gratuitamente o património da mãe Pátria, ou que se é preso por falar e morto por defender ideais. Não consigo deixar de vivenciar cada crónica como se fosse única, porque aquele momento da escrita, do ponto de vista emocional, não volta a acontecer. Cada momento de escrever é único e irrepetível.
Apesar de o João ter estudado Engenharia Técnica Agrária, no Instituto Superior de Ciências Agrárias, a sua carreira profissional acabou por seguir um outro rumo. O que o levou a “trocar” a engenharia agrária pela rádio e televisão?
Embora ainda muito jovem enveredasse pelas artes da terra, das lavouras, do gado, do verde e do trator, que na minha geração era a onda do momento, a minha paixão sempre se chamou comunicação. Familiares e colegas não entenderam que tivesse partido para outros terrenos, para os das redações e dos estúdios, mas eu compreendi. Comunicar é preciso porque só assim conseguimos mudar mentalidades e modificar o mundo.
A profissão de comunicador não foi fácil. Estarmos a ser ouvidos por milhares de ouvintes ou telespetadores, embora demais acompanhados, sentimos momentos de solidão só entendidos por quem passa por estas andanças. E é a responsabilidade que a provoca. É preciso que tudo saia bem, ser convincente de forma a atirarmos a bola para lá do microfone e ela ser sempre apanhada pela maioria de quem nos está a ouvir. Não é fácil. Maria Guinot cantou um dia “Silêncio e tanta gente”. É isso mesmo que nos acontece na vida de comunicadores, a contradição entre solidão e os tantos que nos rodeiam. Mas não houve volta a dar. Entre comunicação e lavoura, definitivamente comunicação.
E a publicidade, como entrou na sua vida?
Foi novamente a comunicação a bater forte. Publicitar é comunicar. Tive convites irrecusáveis por parte dos maiores empresários da publicidade exterior de Portugal e do mundo, mais precisamente da RED Portuguesa, a maior empresa de publicidade nacional, e da JC Decaux, o maior grupo empresarial do mundo com sede em França, e não resisti. A expressão artística da imagem como veículo de comunicação, o estar na rua tocando a sensibilidade de quem vai passando e observando ou consumindo os anúncios gigantescos nas praças e avenidas das nossas cidades tornou-se incontornável na minha existência de comunicador.
A par com a actividade publicitária, a que atualmente se dedica, o João vai conjugando a escrita. Que papel é que esta ocupa na sua vida?
A escrita, poderei afirmar, é o pão que me consegue matar a fome e a água que me mata a sede. Sinto que tenho que escrever em permanência pois percebi que só esses momentos de intimidade completam os meus dias. Escrever é enriquecermo-nos e valorizarmos esta preciosidade que é existir. Não consigo estar sem escrever.
Um dos seus hobbies é a aviação de recreio. O que sente quando está a pilotar uma aeronave?
Obtive dois brevets de piloto de aviões, o primeiro em Espanha, o último em Portugal, pois voar a terceira dimensão, tocar os céus, olhar de cima e de longe este mundo cá em baixo, cheio de virtudes mas também repleto de defeitos, é ausentarmo-nos, mesmo que por horas, da constatação de fazermos parte dele que, embora tantas vezes nos alegre, outras tantas nos consome.
É navegar o território das aves e das nuvens e ao mesmo tempo beber o azul da atmosfera e testemunhar de perto esse amarelo sempre diferente dos raios de sol. É estar dentro do planeta e fora dele. Voar, tal como escrever, é, no meu caso, condição indispensável para ser feliz.
Se tivesse que escolher um destes dois continentes de que nos fala o seu livro para aterrar definitivamente, qual seria?
Escolheria o continente do intelecto e dos sentimentos, do ser-se solidário e estar para os outros, da perseverança, da lucidez, da equidade e do respeito pelas diferenças, da coragem, da paz em fraternidade, da elevação e seriedade dos agentes políticos, do cultivo da inteligência emocional, da denegação dos opressores e dos abraços à liberdade. Esse seria o meu continente.
Estando neste momento na fase de divulgação do livro “Fragmentos Entre Dois Continentes”, podemos contar com uma próxima obra para breve?
Sim, sairei brevemente com um trabalho de pesquisa que tenta retratar a grandiosa epopeia que foi a emigração açoriana para Santa Catarina, no sul do Brasil, ocorrida a partir de 1748, tempo de D. João V.
Estive por duas vezes no Brasil para recolher matéria que me permitisse trazer as velhas gerações de emigrantes aos nossos dias. Com efeito, quase três séculos são passados desde que o primeiro barco de emigrantes açorianos afrontou três meses de mar rumo a essa terra prometida, de leite e mel, mas que acabou por ser muitas vezes de desilusão e de morte. Mesmo assim, fundámos ali uma comunidade de povoadores que influenciou sobremaneira os tempos que se lhe seguiram, sobretudo nos usos, costumes e tradições que de cá levaram e que por lá ficaram, até hoje. A Chiado prevê a saída da obra em meados de maio, princípios de junho do corrente ano de 2016.
Depois, conto passar para o romance e por lá ficar. A ver vamos.
Muito obrigada!
*Esta conversa teve o apoio da Chiado Editora, que estabeleceu a ponte entre o autor e este cantinho.