Sobre o livro e a sua história:
Dizem que a “idade da inocência” termina com a transição das crianças da infância para a adolescência. Mas, será mesmo assim?
Este livro conta-nos a história de Natália, uma menina com muita vivacidade, curiosa, criativa e com uma extraordinária imaginação que se refugia, muitas vezes, num mundo de fantasia para se abster da realidade que a rodeia, e do mundo dos adultos, que nem sempre consegue compreender.
A Natália faz-me lembrar a personagem Heidi, não só em termos de personalidade, como também relativamente às experiências pelas quais passou na sua infância, e os locais onde viveu. Mas não pensem que a história desta menina se passa nos Alpes Suíços. Toda a trama se desenrola no nosso país, mais precisamente, em algumas aldeias e cidades do norte de Portugal, como é o caso de Agarez – uma aldeia na Serra do Alvão, onde vive a “avó Silvina”, a aldeia de Bragadas, onde mora a “tia Maria Adelaide”, Braga, Guimarães e Vila Real, não esquecendo a praia da Apúlia, onde a família tinha por hábito passar o mês de Agosto, e na qual Natália, por pouco, não se afogou.
A história de “A Idade da Inocência” desenrola-se entre 1964 e 1974, e são dez anos em que vamos acompanhando o crescimento de Natália e, ao mesmo tempo, tomando contacto com as tradições e costumes dessa época, da história do nosso país, de como era, nessa altura, física e geograficamente, cada uma das regiões descritas. À medida que ia lendo o livro, pensava “este seria um bom livro para os professores de Português, Geografia e História utilizarem e debaterem nas suas aulas”!
Um livro em que existem diversos contrastes entre crianças e adultos, e entre o campo e a cidade. Em que se evidenciam as diferenças na forma como uns e outros encaravam a vida e, até mesmo, nas contradições de uma mesma pessoa na sua forma de pensar.
No campo, as crianças estavam em contacto directo com a natureza. Não havia livros nem televisão, mas havia animais, havia jogos tradicionais (espeto, prego), havia festas e romarias, o desfile dos Caretos no Carnaval, as vindimas e a desfolhada. As crianças podiam brincar, sujar-se, participar nas actividades dos adultos, e eram mais felizes. Também os adultos que viviam nas aldeias, apesar da escassez em que muitas vezes viviam, nunca se queixavam da vida, ao contrário das gentes da cidade.
No campo, sendo a principal actividade e meio de subsistência a agricultura, os estudos não eram considerados importantes ou necessários, e só depois das tarefas agrícolas e domésticas cumpridas é que os jovens podiam ir às aulas. No entanto, essas mesmas pessoas que não consideravam os estudos necessários, valorizavam-nos em pessoas como professores ou os padres, o que acabava por ser contraditório.
Na cidade, as crianças tinham que andar adequadamente vestidas e calçadas, cumprir as regras ditadas pelos adultos e freiras dos colégios que frequentavam, e quase tudo o que as crianças gostam de fazer na sua infância lhes era vetado. Estudar era indispensável, assim como frequentar a catequese, e fazer a primeira comunhão, por exemplo.
Olho para a Natália, e consigo visualizar como viveram as gerações anteriores, como a dos meus pais. A Natália tinha uma boneca à qual queimou o cabelo, porque se lembrou de secá-lo perto do lume. Naquela altura, não havia muitos brinquedos e essa boneca era das poucas que Natália tinha. Também a minha mãe me chegou a contar que, na sua infância, ficou muito feliz quando lhe ofereceram uma boneca de cartão, que acabou por perder no dia em que se lembrou de lhe dar banho. O facto de as raparigas e os rapazes terem aulas separadamente. As reguadas que os alunos levavam quando não sabiam a lição na ponta da língua.
Também naquele tempo, havia um grande cuidado com a roupa e o calçado das crianças. Um par de sapatos ou de sandálias tinha que durar toda a estação, porque não havia dinheiro para a andar sempre a comprar roupa nova ou calçado.
Olho para a Natália, e vejo-me até a mim, na escola, a saltar à corda, a brincar ao elástico, e muitas outras brincadeiras da minha infância e, certamente, também da vossa!
Natália, ela era uma daquelas crianças que não se conforma com as respostas pouco esclarecedoras que os adultos dão às suas perguntas, que não compreende porque é que estes têm a mania de acharem que sabem sempre tudo, que não percebe porque é que, para evitar que as crianças façam coisas que os adultos não querem, estes lhes incutem medo, através de histórias de papões e bruxas más. No fundo, Natália tem dificuldade em compreender porque é que os adultos não deixam as crianças serem isso mesmo – crianças!
Terá Natália, à medida que os anos foram passando, acabado por perder a sua vivacidade e capacidade de sonhar, sufocando a sua curiosidade, conformando-se com as argumentações que lhe impunham, refreando as suas convicções de criança, e aceitando a vida que lhe foi destinada?
É o que poderão ficar a saber quando lerem a sua história, em “A Idade da Inocência”!
Sinopse:
"Natália era uma criança sonhadora, viva e criativa… O seu fascínio pela novidade, ao suscitar-lhe inúmeros porquês e ao conduzi-la numa incessante busca de respostas, levam-na a experienciar incalculáveis aventuras. Esta resenha, além de uma viagem ao passado, que se desenrola entre os anos de 1964 e 1974, é um retrato geográfico e sociológico do norte de Portugal, nomeadamente das cidades de Vila Real, de Guimarães e de Braga, das aldeias de Agarez, na serra do Alvão, e de Bragadas, em Terras de Basto, e ainda da pitoresca praia da Apúlia. Colorido por uma criança, este retrato é, sem dúvida, uma divertida expedição pelo mundo dos mais pequenos. A paixão colocada na narrativa das brincadeiras, da etnografia, da história e da geografia dos lugares, transporta o leitor pelos meandros de um espaço vivo e repleto de emoções."