Histórias soltas #4
"Não tenho muitos amigos. Verdade seja dita, não tenho qualquer amigo ou amiga.
Não sou muito de socializar. Não porque não goste. Apenas não surgiu a oportunidade. Não sou uma criança com quem os meus colegas gostem muito de estar. Não sou bonita, não ando na moda, não me junto a grupos. Muitos deles até gozam comigo, com o meu aspeto, com a minha simplicidade. Diria até, com a minha pobreza.
É por isso que tento passar despercebida, enquanto puder, para não ser alvo de chacota por parte da maioria da turma.
Os meus pais também não ajudam muito. A minha mãe ainda se preocupa um pouco comigo. Já o meu pai, pouco para em casa, e quando vem, não quer saber se estou viva ou morta. Apenas a minha mãe leva algum dinheiro para casa, fazendo limpezas em algumas casas. O meu pai há muito ficou desempregado e acomodado à situação.
Chamo-lhes mãe e pai, mas na verdade eles não são meus pais. Mas isso é uma outra história, que talvez vos conte um dia destes.
Como eu estava a dizer, não tenho amigos, mas de há uns tempos para cá, eu e uma outra miúda, mais velha que eu, começámos a falar e tornámo-nos muito unidas. É bom ter uma amiga com quem conversar. Não me sinto tão sozinha.
Hoje ela convidou-me para ir até à sua casa. Fiquei feliz!
Disse-me que podíamos utilizar o computador dela para fazermos os trabalhos, mas na verdade fizemos tudo menos isso. Sei que sou uma criança inteligente, que aprende depressa, embora muitas vezes dê alguns erros e falhe respostas propositadamente, para não dar nas vistas. E aplicada, também. Mas esta tarde tudo era diferente.
Primeiro a minha amiga falou com o namorado através de videochamada. Sim, ela já tem namorado. Um namorado a sério, com direito a beijos e outras coisas mais. Quer dizer, não será bem sério, porque também fala com outros rapazes sem ele sequer desconfiar. Mas quem sou eu para me meter nisso.
Sinto-me bem com ela e é o que importa.
Também eu gostava de, um dia, experimentar esses beijos e ir aos “treinos”, como ela lhe chama.
Enquanto ela foi buscar qualquer coisa para comermos, deixou-me a falar com um desses rapazes com quem ela também fala. Pareceu-me simpático. Andei a ver o seu perfil, mas não tinha fotografias dele, a não ser uma em que escondia a cara. Pedi-lhe para ele enviar uma foto dele, mas disse que mais tarde mandava. Claro que não poderia enviar para mim, que nem sequer um computador tenho. Mas quis que eu enviasse uma fotografia minha, para avaliar. Perguntei à minha amiga se dava para o fazer e ela explicou-me como funcionava a câmara fotográfica.
Ele achou-me bonita! Provavelmente, diz isso a todas mas não quero saber. Hoje estou feliz. Estou em casa de uma amiga (como é bom poder dizer esta palavra) e a falar com um rapaz que me acha bonita!
Pergunto-lhe o que está a fazer, mas hesita em responder. Diz que, se o disser, não vamos mais querer falar com ele. Insisto, e ele lá acaba por dizer “masturbação”. Fico na mesma, mas entretanto chega a minha amiga com o lanche, e deixamos o computador de lado.
Ele diz que é daqui perto. Que um dia pode vir ter connosco. Ficou de enviar mensagem para a minha amiga, a combinar o dia e a hora. Ele sabe onde estudamos, e já nos conhece pelas fotografias.
Estou ansiosa por o conhecer pessoalmente.
Ele diz que tem 19 anos. Eu tenho apenas 12. Mas o que é que isso importa?
Hoje, estou feliz!"