Há Horas do Diabo, de Abílio Cardoso Bandeira
Há horas que desejavamos que durassem para sempre, que não nos importaríamos de passar por elas novamente, que deixam saudades. E, depois, há as outras, que mais valia nunca terem chegado nem acontecido. Há horas do diabo, que podem mudar para sempre o rumo da história...
Neste livro, Abílio Cardoso Bandeira centra a sua história na aldeia de Sobral da Beira, e nos seus habitantes, tanto nos que por lá vão ficando, como os que partiram e voltaram, e tornaram a partir, ou ficam de vez, e naqueles que nunca mais voltarão.
Ora, num meio pequeno, todos se conhecem, todos se entreajudam, todos sabem da vida e dos segredos de todos. Ou quase!
Porque, por muito que conheçamos as pessoas que nos rodeiam, podemos muitas vezes ser surpreendidos com acções, gestos e até segredos que nunca imaginaríamos. E serão esses que iremos descobrir à medida que a história se vai desenrolando.
Quem é o desenterrador de cadáveres que ataca, não só os falecidos de outras regiões, como os da própria aldeia?
O que aconteceu a Afonso, que depois de ter vendido todo o património da família desapareceu, juntamente com o dinheiro da venda?
Quem é que todos os meses envia parte desse mesmo dinheiro para Laura, a viúva?
Que missão tem o misterioso Jorge Calçudo a cumprir em Sobral da Beira, e de que forma será determinante para a descoberta de muitos dos segredos destes habitantes?
Em "Há Horas do Diabo" temos também uma história de amor, ao estilo Romeu e Julieta, nas personagens de Gonçalo e Ana. No entanto, o autor, de forma inteligente, não foi por aí, dando mais relevância a outros acontecimentos e mistérios.
A trama é apresentada de forma simples, recriando até a linguagem característica daquele tempo e daquelas gentes. E o mesmo se aplica às personagens, quase todas com alcunhas e histórias associadas aos seus nomes, quase todas com algum grau de parentesco umas com as outras, e com personalidades para todos os gostos, que dá vontade de divagar sobre elas.
E, como não poderia deixar de ser, a cena que mais me comoveu tinha que ter um animal! Neste caso, um cão - o Fúria! Uma cena bastante rápida, e sem grande relevância para muitos, mas para mim, serviu para me irritar e comover em seguida.
Poderia ficar por aqui, mas não queria deixar de falar sobre algumas das personagens da história, e das reflexões que as mesmas originaram.
Enquanto uns lutam por uma oportunidade que nunca chega, outros desperdiçam todas aquelas que lhes vão parar às mãos…
Rita e Carlinhos partiram jovens da terra que os viu nascer. Ela, para Lisboa, em busca de um trabalho que lhe garantisse um futuro melhor, que nunca teria ali, junto com o seu pai, naquela aldeia. Ele, para Coimbra, para se formar em advocacia.
Quando os encontramos, de volta a Sobral da Beira, seja em férias ou indefinidamente, percebemos que nenhum deles cumpriu o objetivo. Ambos têm algo a esconder, ambos mentem, ambos enganam os pais.
Aqueles que mais pecados apontam ao próximo, acusando-os de não respeitar Deus e a igreja, são os que mais pecam na vida, com gestos que vão, precisamente, contra tudo aquilo que são os mandamentos de Deus…
Como dizia, por vezes, a minha mãe “andam por aí a bater com a mão no peito, não faltam a uma missa e depois, mal saem pela porta da igreja, não fazem mais mal porque não podem. Gente falsa e hipócrita.”
Nesta história, a hipocrisia está representada pela personagem da Ana Viúva, uma beata que não perde uma oportunidade de prejudicar os outros, criar intrigas, meter-se na vida dos restantes habitantes, alegando sempre a defesa da moral e dos bons costumes.
Hipocrisia e falsidade há em qualquer lado, e cada vez mais, mas nos meios mais pequenos, é mais notória. Deveria chegar o dia em que estas cobras provassem o seu próprio veneno. Talvez isso as fizesse mudar...ou talvez não! Já nasce com elas, é mais forte que elas.
"Quem tudo quer tudo perde! E o pior cego, é aquele que não quer ver!"
Dois ditados bem populares que se poderiam bem aplicar ao Sr. Teixeira da farmácia!
Os padres também são seres humanos
E o padre Carlos não é excepção. São poucos os padres como ele, pessoas que se preocupam, de facto, com o próximo, que tentam ajudar dentro das suas possibilidades, que não se deixam levar pelos desvarios de beatas ofendidas. Ele não é um santo, é um padre que, nessa condição, está ao serviço de Deus, e age de acordo com o que seria de esperar dele, assim como de qualquer um de nós. Um padre que, como todos nós, é humano. E, por isso mesmo, também erra, também comete pecados e se penitencia por eles.
Quanto às restantes personagens, cada leitor fará as suas próprias reflexões quando ler esta história, que eu recomendo vivamente!
Sinopse
"Se um homem que nunca tinha entrado numa igreja não se tivesse confessado; se outro não tivesse dado um pontapé num cão e se outro ainda não tivesse feito uma promessa… provavelmente, esta história teria sido muito diferente.
Durante o verão de 1970 numa aldeia dos arredores de Viseu, uma série de histórias de amor cruzam-se com uma outra história de amor proibido.
Numa terra em que o sacristão passa pessoas para França; um homem desapareceu inexplicavelmente; um padre sofre as dores do mundo e um misterioso filho da terra regressa para iniciar uma estranha construção.
Ao mesmo tempo que no cemitério local enigmáticos desenterramentos vão prosseguindo sem que alguém encontre uma explicação."