Também acontece contigo?
Um filho deveria ser desejado. Nem sempre esperado mas, pelo menos, desejado.
Não sendo esperado nem, tão pouco desejado não deveria, ainda assim, sofrer na pele os erros dos pais, e servir de "saco de pancada" e descarregador de frustrações daqueles que o rodeiam, e que não estão satisfeitos com o seu nascimento e chegada ao seio familiar.
W. Paris não foi uma filha esperada, nem desejada. Mas veio ao mundo e foi, ao longo da sua vida, vítima de maus tratos, de negligência e, percebeu mais tarde, de "scapegoating", ou seja, foi desde sempre um bode expiatório de todos aqueles que lhe eram próximos, sobretudo, a sua família chegada - mãe, pai e irmão - e mais alargada - tios, primos.
"Tímida, envergonhada, calada, sossegada, introvertida, acanhada, insegura... Estas eram as palavras que W. Paris costumava ouvir em criança, quando as pessoas a caracterizavam."
Até aí, nada de mais. Eu própria também poderia ser caracterizada dessa forma. Mas W. Paris teve, para além da sua própria personalidade, vários motivos para acentuar ainda mais estas características.
O que mais me choca, é a forma como, na história de W. Paris, não houve uma única pessoa na família, ou entre os vizinhos, ou até mesmo amigos, que a ajudassem como ela precisava.
Sabemos que as pessoas não se querem meter em problemas que não lhes dizem respeito mas, na maior parte das vezes, acabam por meter-se por pura mexeriqueira, ou mesmo para prejudicar, ao invés de ajudar.
E há as que não se metem porque concordam e apoiam. Ou porque andam com a cabeça tão enterrada na areia que nem vêem o que se passa à sua volta.
E assim viveu durante cerca de 30 anos, a ser sistematicamente acusada de tudo e mais alguma coisa, criticada, rebaixada, neglicenciada, usada, maltratada, algo que se reflectiu, como seria de esperar, na sua autoestima, confiança e segurança.
Tal como no seu comportamento, agindo constantemente para agradar e ser aceite por todos, sem perceber que, por mais que fizesse, ou como quer que agisse, tal nunca aconteceria. Como é óbvio, também a afectou psicologicamente, contribuindo para a instabilidade que caracterizou a sua vida, não só a nível de relações, como a nível pessoal e profissional.
A mudança da aparência, da forma de vestir, o tão depressa engordar demais como emagrecer, bem como a falta de emprego e as dificuldades a ela inerentes, que a levaram a iniciar e a desistir de alguns cursos, e da universidade, são uma prova dessa instabilidade.
Ainda assim, neste tipo de ambiente e vida, com familiares que a desprezavam, houve duas ou três situações em que quase poderíamos pensar que os pais ou o irmão tinham algum pingo de sensatez, de amor, de compreensão. Claro que foram meros vislumbres passageiros, como aquele raio de sol que surge no meio de uma tempestade, mas logo se volta a esconder por entre as nuvens negras que sempre estão presentes.
Hoje, longe de todos os que, de alguma forma, lhe fizeram mal, mesmo não tendo consciência disso, W. Paris encontra-se no estrangeiro, a lutar pelo seu sonho de terminar os estudos em psicologia, e alcançar alguma paz e estabilidade.
Sobre a autora:
Sobre a forma como a autora contou a sua história, não sei se pela confusão que sempre foi a sua vida ou pela vontade de pôr tudo cá para fora de forma espontânea, acabou por misturar muitas coisas ao mesmo tempo, e falar de algumas situações num determinado ponto, para depois voltar a repetir o mesmo mais à frente, quando poderia ter estruturado por partes, por pessoas, por situações. É que, como leitora, acabei por me perder em algumas partes, e perguntar-me a que propósito vinham algumas coisas, no meio do que ela estava a contar.
Por outro lado, se no início da narrativa comecei por me solidarizar com a autora, por tudo o que passou, cheguei a um ponto em que o sentimento foi o inverso, em que me perguntei por que raio ela não fez nada, porque não mudou, porque não se afastou assim que percebeu aquilo que lhe fazia mal.
Senti que, a partir de um determinado momento, em que ela pôde assumir o comando e o controlo da sua vida, sem depender dos pais, deveria ter tentado escapar. Não repetir constantemente os mesmos erros. Lutar pela sua vida. Ao não fazê-lo, quando podia, senti que se estava a vitimizar por algo que agora só dependia dela.
E em que me questionei se todos à sua volta eram mesmo parvos, estúpidos, interesseiros, e cheios de ruindade, como ela nos faz crer, ou se não houve ali algum exagero. É que parece tudo tão surreal, para ser verdade.
Não me cabe a mim julgar, nem condenar as suas decisões, as suas inacções,porque só quem passa por estas situações sabe em que estado está psicologicamente,os sentimentos que vão dentro de si e as poucas forças que tem para tentar sequer erguer-se.
Mas incomodou-me o acomodar dela à situação durante tanto tempo.
"Quando ouvimos falar em narcisismo, lembramo-nos de pessoas extremamente vaidosas. Vem-nos à memória a imagem do Narciso a observar o seu reflexo na água. A realidade vai muito além disso. E o narcisismo em famílias consegue ser surreal de tão chocante que é.
A família narcisista ataca o membro mais fraco , principalmente um dos seus descendentes (filho/filha). A família narcisista faz a criança acreditar, desde a sua tenra idade, de que ela é incapacitada, de que tem de conquistar o amor dos pais, ou, até mesmo, de que tem de lhes agradecer pela vida que estes lhe deram. O narcisismo em famílias, também conhecido pelo termo scapegoating, consegue destruir a vida das suas vítimas, levando-as a perder a sua auto-estima e sanidade mental. E os maus tratos são tão subtis, tão enganadores, que a vítima consegue passar uma vida inteira sem entender o ambiente que a rodeia, vivendo numa realidade completamente distorcida."
Autor: W. Paris
Data de publicação: Fevereiro de 2018
Número de páginas: 388
ISBN: 978-989-52-1733-5
Colecção: Viagens na Ficção
Género: Ficção
Idioma: Pt