"Assim se revisita o coração", de Ana Luísa Amaral
"Só mal tocando as cordas
Da memória
Consegue o coração ressuscitar
Porque era este lugar
que eu precisava agora
como em deserto até
ao infinito,
e de repente,
uma gravidez imensa,
um cacto verde e limpo
Porque os olhos conhecem
estes sons
de dar à luz o vento
e são-lhe amantes
de tangível luz
Só mal tangendo as cordas
da memória
como estas flores
se tingem de alegria
Porque era neste azul
que eu me queria
como a rocha transpira
e se resolve
em mar"
Há duas expressões que eu escolheria para sintetizar este poema:
"Recordar é viver" e "Somos as memórias que criamos".
Porque ambas caracterizam aquilo de que o sujeito poético fala neste poema: a forma como as memórias nos parecem devolver a vida.
Quando começamos a esquecer as pessoas, as coisas e os momentos que nos fizeram felizes, a esquecer as lembranças e recordações passadas, a perder a memória de tudo o que de bom vivemos, o nosso coração começa a morrer.
Mas se essa memória, que estava a desvanecer, for reavivada, seja por vontade própria, ou porque algo inesperado contribuiu para esse reavivar, então é como se o coração ganhasse um novo fôlego.
E, de repente, ele volta a bater com mais força, ao relembrar aquilo que estava esquecido.
Por vezes, quando nos sentimos mais tristes, cabisbaixos, sem ânimo e sem vontade, bastam essas memórias para nos trazer de volta a alegria perdida, para nos transmitir a paz e serenidade, e nos fazer sentir bem connosco próprios, mostrando que tudo tem a sua razão de ser, e que tudo acontece na hora e no momento certos.
Mesmo que não possamos viver, de novo, todas essas lembranças, é quase como se estivéssemos a viver as situações, uma segunda vez, porque conseguimos visualizá-las e senti-las, como se estivéssemos lá.
Por vezes, basta um gesto, para que as nossas memórias passadas venham até ao presente, e nos façam abstrair da realidade que estamos a viver, funcionando como um refúgio seguro, ou um escape temporário, que nos devolve a alegria sentida nesses momentos.
Ainda assim, ao mesmo tempo que as memórias nos transportam para onde mais precisávamos estar, naquele momento, como se precisássemos delas para nos reforçar, reerguer, respirar, renovar a força e a esperança também nos relembram que, apesar de tudo, estamos onde deveríamos estar, e não devemos recear o que está por vir, porque ainda poderemos ser felizes, e criar novas memórias.