Em Portugal, não existem respostas viáveis para a maior parte dos idosos. Sobretudo, quando começam a depender de terceiros para a sua rotina diária, para a sua mobilidade, para afastar a solidão.
Nestes últimos dias, o estado de saúde do meu pai sofreu alterações.
Principalmente, a nível mental. A demência a vir em grande, e nós sem sabermos como lidar com isso.
Falámos com a médica de família, que passou umas análises, para confirmar se este quadro se devia a alguma infecção.
E aconselhou-nos a pô-lo num centro de dia, onde estaria umas horas acompanhado e, vendo e conversando com outras pessoas, sentir-se menos só e estimular o cérebro.
No entanto, ele não precisava de vigilância apenas por umas horas, ele estava completamente desorientado, alienado da realidade (com apenas alguns momentos de lucidez).
Ele não estava num estado propício à pura convivência. Uma pessoa consciente, que sabe que ali passaria umas horas com companhia de outros idosos, com quem conversar e interagir.
Por muito que fosse uma solução, até porque tinham vagas, não me parecia suficiente.
Assim, continuávamos sem saber o que fazer.
Ele já se estava a colocar em risco. Um risco que corria a qualquer momento do dia, se lhe desse para isso.
Podíamos trancá-lo em casa, para evitar acidentes. Mas isso é crime.
Podíamos deixá-lo à vontade, e arriscar encontrá-lo caído nos degraus, ou no meio da rua, morto. O que não deixaria de ser negligência.
Quem está de fora, diz aquilo que também nós sabemos: ele não podia estar sozinho!
Mas, e soluções?
Onde se arranja, em tão curto espaço de tempo, uma pessoa de confiança e profissional, disposta a estar com ele 24 horas por dia? E que custos isso acarretaria?
Nem sempre os familiares têm disponibilidade para tomar conta. Para estar presentes.
Nem sempre os mais próximos têm a paciência necessária ou, sequer formação, ou ferramentas, para agir em casos destes.
E, a nível financeiro, quase nunca os apoios são suficientes, para quem decide ser cuidador informal.
Por outro lado, os lares residenciais estão sempre com enormes listas de espera. Quantas vezes, surge a vaga quando a pessoa já não precisa? Quando já não está mais entre nós?
Optar por lares particulares? É incomportável!
Pedi informações de um, deram-me valores acima de 4000 euros por mês.
Por outro lado, a nível físico, estava a deixar-se ir.
Já pouco comia.
Muito fraco.
Respiração ofegante.
E diarreia.
Ontem de manhã, com muito custo, fez as análises ao sangue.
À tarde, recebi os resultados.
Do que vi, parece-me estar com problemas no fígado. Risco de AVC.
Entre "postas de pescada" e "não soluções", fiz o que achei que tinha de fazer.
Arrisquei ligar para a saúde 24.
A enfermeira que me atendeu não tinha jeitinho nenhum, deu-me nervos, mas lá me passou ao INEM, e veio uma ambulância dos Bombeiros de Mafra.
Duas meninas, impecáveis.
Não conseguiram medir a febre. Mas o oxigénio estava muito baixo.
Foi para o hospital.
E, confesso, foi um alívio!
Pode parecer, e quem sabe é mesmo, um pouco egoísta da minha parte.
Mas era eu que lidava com isto todos os dias. Que o via a definhar, sem saber como ajudar.
E a, eu própria, daqui a uns tempos, precisar de ajuda.
Ali, pelo menos , está vigiado, medicado, pode ser tratado.
Em casa, não sei se viveria muito mais tempo.
Há quem se queixe que os hospitais, para além do sobrelotamento a nível de doentes, está entupido com idosos, cujos familiares se recusam a ir buscar, por não terem condições para os ter em casa, ou em instituições para ricos.
Há quem se queixe que os hospitais têm, diariamente, custos com esses idosos, e recursos humanos "desperdiçados" com eles, que fazem falta a quem realmente precisa - os doentes mais urgentes.
Mas a verdade é que não há outras respostas, soluções, apoios para os nossos idosos e famílias.
Neste momento, está numa maca, com pulseira laranja, nas urgências do Santa Maria.
Provavelmente, ficará internado. Mas ainda não há vagas, por isso, tem de aguardar ali.
Provavelmente, terá de iniciar já a hemodiálise.
Ainda têm de ver o que vão fazer relativamente ao coração, e a nível neurológico.
Do fígado, não sabiam de nada.
Disseram ao meu irmão que, se quisesse, poderia levar as análises lá ao hospital!
Estou a aguardar o contacto da médica de família para ver se, também ela, entende que existe um problema no fígado, para comunicar então com o hospital.
Sinceramente, não estou muito optimista. O organismo dele está dar sinal de querer colapsar. Já começa a ser muita coisa junta.
Mas também é verdade que, felizmente, ele sempre me surpreendeu ao recuperar de todos os internamentos até aqui, ainda que com mazelas.
Sei que ele não vai aguentar horas e horas de hemodiálise, por muito tempo.
No entanto, dado o estado dele, não terá poder de decisão, e sobrará para nós, filhos.
Mais uma vez, o dilema entre aquilo que seria o desejo dele, e aquilo que devemos fazer.
O deixá-lo morrer, ou mantê-lo vivo e em sofrimento.
Mas, enfim, um dia de cada vez.
E hoje, pelo menos, posso respirar um pouco, sem estar preocupada se ele vai sair de casa e perder-se, se vai cair e bater com a cabeça, se não vai comer porque eu não estou lá.
Amanhã, logo se verá...