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Marta O meu canto

Guardamos tanta coisa só para nós - opiniões, sentimentos, ideias, estados de espírito, reflexões, que ficam arrumados numa gaveta fechada... Abri essas gavetas, e o resultado é este blog!

Marta O meu canto

Guardamos tanta coisa só para nós - opiniões, sentimentos, ideias, estados de espírito, reflexões, que ficam arrumados numa gaveta fechada... Abri essas gavetas, e o resultado é este blog!

Uma questão de vida

                O que mais me impressiona nas grandes reportagens, que muitas vezes passam na televisão, é a forma como, tão disfarçada e inocentemente (ou talvez não), os responsáveis pelas mesmas conseguem que o público, levado pelas emoções, tome partido e opine sobre o assunto em questão, defendendo exactamente o ponto de vista que intencionalmente se pretende.

                Vejamos, por exemplo, o caso da menina Safira. A sensação que fica, é que nos queriam transmitir e fazer acreditar na história de uma menina que recuperou de um cancro renal, evitando a quimioterapia. Que os pais são pessoas corajosas e lutadoras, que a justiça só funciona para o que convém, e que os médicos em Portugal não têm competência para exercer a profissão nem tão pouco zelam pelos interesses das crianças.

                Acredito que muitas das pessoas que viram a reportagem, consideraram esta atitude dos pais da menina como um exemplo a seguir. Mas esta reportagem levanta muitas questões.

                A medicina convencional sempre teve o seu lugar garantido sendo, até há pouco tempo, a primeira, e quase sempre, única opção. À medida que se verifica um aumento de pessoas a recorrer às terapêuticas não convencionais, a medicina tradicional pode eventualmente sentir-se ameaçada.

                Acredito que alguns médicos simplesmente recusem qualquer terapêutica alternativa, porque estão convencidos que, aquela que praticam, é a única eficiente. Mas também há quem respeite e reconheça os benefícios de outras medicinas, embora seja um respeito e reconhecimento limitado, devido a pouca clarificação nos procedimentos adoptados, e acreditação dos profissionais que as praticam.

                A crescente procura destas terapêuticas não convencionais resulta de uma maior consciencialização para o papel importante que desempenham, uma maior responsabilização dos doentes em relação à sua própria saúde, e surge muitas vezes do medo, e como opção de fuga aos possíveis efeitos secundários prejudiciais da medicina convencional.

                Este foi, aparentemente, o motivo que levou os pais da Safira a recusarem o tratamento pós-operatório de quimioterapia proposto – extremamente agressivo e com sequelas para a criança, pondo-se mesmo em causa a sua sobrevivência ao tratamento.

                Mais, os pais procuravam a cura, e não apenas a sobrevivência. E assim, correram mundo em busca de alternativas, desobedecendo a médicos e tribunais, como verdadeiros heróis.  

                Não lhes tirando o mérito, porque de facto o têm, não deixou de ser uma aposta, um tiro no escuro que por acaso e felizmente correu bem (pelo menos até agora).

                Tiveram coragem de arriscar um tratamento diferente para a sua filha, ainda relativamente recente, menos penoso e doloroso, e aí investir todas as suas forças e dedicação.

                Se este caso da Safira é um precedente e um exemplo a seguir? Bem, convém não esquecer que a menina já tinha feito quimioterapia, antes de ser operada. E que ainda não está curada. Apenas não tem a doença manifestada neste momento.

                O próprio Ralph Steinman, Nobel da Medicina 2011, utilizou em si próprio este tratamento inovador, na área imuno-oncológica, baseado em vacinas de células dendríticas, fornecidas pelo próprio paciente, tendo-se verificado resultados animadores em tumores renais e cerebrais.

                Infelizmente, no seu caso não se mostrou suficiente - muito embora tenha prolongado o seu tempo de vida, o mesmo acabou por falecer vítima de cancro.

                Penso que a medicina convencional e a medicina alternativa, deveriam complementar-se entre si e unir esforços na luta pela saúde e bem-estar dos pacientes, das novas descobertas e novos tratamentos possíveis.

                Aqui no caso da Safira, entendo que este método experimental, a que está a ser sujeita, é uma terapêutica complementar à medicina convencional à qual já foi anteriormente submetida. Que até ao momento tem-se mostrado benéfica.

                Se é verdade que optar por tratamentos experimentais, sem segurança e eficácia comprovadas é um risco, e por isso os protocolos tentam “defender” os doentes das opiniões pessoais e nunca testadas de alguns médicos, também é verdade nem sempre o conhecimento baseado em centenas de ensaios clínicos e métodos rigorosos são sinónimo de sucesso garantido.

                Tal como também é verdade que qualquer método, hoje cientificamente testado, começou por ser experimental, e se não se tivesse começado por aí, actualmente nem sequer existiria.

                O que acontece é que, quando alguém se depara com a doença, sentindo-se impotente, tem uma necessidade quase cega de acreditar e confiar em alguém, e muitas vezes nem questiona as decisões dos médicos, afinal, eles existem para nos salvar! Mas também são humanos, e também erram.

                O primeiro erro que muitas vezes cometem, é o de não informarem correctamente os pacientes omitindo, por vezes, aquilo que muitos de nós gostaríamos que nos tivesse sido dito e explicado.

                A outra questão que se põe, é a da responsabilidade: quem é responsável pela vida da criança? Se os pais optarem pelo tratamento constante do protocolo e, como tal, proposto pelos médicos, assinam um documento a autorizar o referido tratamento. E se a criança não sobreviver ao tratamento? São os pais os responsáveis, porque autorizaram o tratamento? São os médicos? São os responsáveis pelo protocolo?

                E se os pais não autorizarem e se recusarem a levar a criança ao tratamento? Será a Comissão Nacional de Protecção de Menores? Ou o Tribunal que sentencia os pais a fazerem o tratamento sob pena de perderem a guarda da filha?

                Sim, porque optando os pais pela terapêutica alternativa, serão de certeza responsabilizados pela escolha que fizeram.

                Nesse sentido, sempre que estiver em causa a saúde e o bem-estar dos nossos filhos, e que os nossos esforços e convicções sejam nesse sentido (e não na simples recusa de tratamento sem apresentar outra alternativa minimamente viável), penso que nos deveria ser dado o direito de decisão, assumindo a responsabilidade pela mesma.

                Em toda a nossa vida somos confrontados com escolhas que temos que fazer para seguir o nosso caminho. Todas elas têm prós e contras – ainda assim, temos que decidir qual será a nossa.

                E afinal, de que nos vale ter alguém a quem responsabilizar, quando não conseguimos salvar a vida de quem tanto amamos?

                                  

 

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