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Marta O meu canto

Guardamos tanta coisa só para nós - opiniões, sentimentos, ideias, estados de espírito, reflexões, que ficam arrumados numa gaveta fechada... Abri essas gavetas, e o resultado é este blog!

Marta O meu canto

Guardamos tanta coisa só para nós - opiniões, sentimentos, ideias, estados de espírito, reflexões, que ficam arrumados numa gaveta fechada... Abri essas gavetas, e o resultado é este blog!

À Conversa com Abílio Cardoso Bandeira

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Desde de que se lembra que escreve poesia, sem nunca ter ousado publicar. Já escreveu uma peça de teatro: “uma comédia ligeira em 3 actos”, como gosta de dizer. Durante alguns anos publicou crónicas no jornal “O Varzeense”. Sonhava ser arqueólogo ou agente da Policia Judiciária; conseguiu ainda frequentar o curso da PJ, na Escola do Barro, em Loures, mas as disciplinas de direito tramaram-lhe a vida. Ironia do destino, conseguiu entrar para os tribunais. É oficial de justiça há mais de 20 anos.

"HÁ HORAS DO DIABO" é o seu primeiro romance.

Aqui fica a entrevista do autor:

 

 
 
Quem é o Abílio Cardoso Bandeira?
É uma pessoa normal; que valoriza a verdade e a honestidade, que adora rir, que admira o sentido de humor, adora o sol, sem detestar a chuva e adora animais, todos eles, até de pessoas gosta. Se calhar, dentro de mim, talvez veja o mundo de uma forma diferente da maior parte das pessoas, pelo menos das que conheço. Podendo não parecer, sou um sofredor do mundo, muito mais do que aquilo que mostro. Vejo-me assim como se fosse “o pessimista mais optimista do mundo”.
 
 
O Abílio escreve poesia desde que se lembra. Pode-se dizer que foi a sua primeira paixão, em termos de escrita?
Ah, sim, com certeza, em termos de escrita foi a minha primeira paixão, sei lá, 13, 14 anos – apesar de ainda hoje escrever poemas –, mas sempre foi mais para mim do que para os outros; a poesia sempre foi uma coisa mais intimista, mais dos sentidos, da alma, uma coisa em que eu me abro mais, às vezes até me abro a mim próprio (risos), talvez por isso nunca me passou pela cabeça editar, ou sequer tentar, editar a minha poesia. Ainda hoje continuo com essa ideia.
 
 
Escreveu também uma peça de teatro. Como foi essa experiência?
Foi entusiasmante e engraçada, ao mesmo tempo. A peça chama-se “Senhora Maria e Companhia” e era, como eu a definia, uma comédia ligeira em 3 actos, para grupos de teatro amador. Foi escrita para ser levada à cena por um grupo de teatro amador de Lisboa, do qual eu fazia parte na época, o Grupo de Teatro Esporão, que, apesar de ter começado a ensaiar a peça nunca a chegou a levar ao palco. Muitos anos mais tarde, na aldeia do Esporão, no concelho de Góis, que era a terra referência do próprio Grupo de Teatro, a juventude dessa aldeia acabou por ressuscitar o GTE e às tantas pegou na minha peça e levou-a à cena por duas vezes, uma na aldeia do Esporão e outra na vila de Góis. Lembro-me desse tempo com muito carinho, até porque nesse Grupo de Teatro, fui cenógrafo, actor, ensaiador, e sei lá mais o quê… Bons tempos. Aliás, se algum grupo de teatro amador andar à procura de uma comédia ligeira, a minha está à disposição, sem contrapartidas nenhumas.
 
 
E o convite para escrever crónicas do jornal “Varzeense”, como surgiu?
Isso foi um acaso do destino, mas mesmo tendo começado por acaso ainda durou alguns anos, em duas épocas distintas.
 
 
Que temas eram abordados nessas crónicas? Recorda-se de alguma que tenha sido mais comentada na altura?
Os temas eram da minha livre escolha, falava de tudo; da sociedade, dos sentimentos, de recordações, de coisas que me aconteciam no dia-a-dia, de política, algumas até meio poéticas, ou mesmo sobre futebol (risos)… lembro-me de algumas que foram bastante comentadas até, uma por exemplo que se chamava “Sopas de cavalo cansado” - que o pessoal mais novo, provavelmente, nem saberá o que é, até faxes me enviaram; uma outra era sobre eu ter, inadvertidamente, “morto” um Pai Natal que ainda poderia “ter vivido alguns anos na imaginação da minha filha”, enfim, era uma mistura indefinida. A primeira série de crónicas chamava-se “Crónicas da Serra” e a segunda série “30 por 1 linha – Crónicas da vida que passa”.
 
 
O Abílio sonhava ser arqueólogo ou agente da PJ. Não conseguiu, mas acabou por se tornar oficial de justiça. Pode-se dizer que, também na sua vida, houve “Horas do Diabo”?!
Claro que houve, há horas do diabo na vida de todos nós, não acha? Também há horas de Deus, mas as do diabo continuam a existir, faz parte desta coisa de viver, desta eterna corrida de obstáculos que é a vida. Se os obstáculos, essas  “horas do diabo”, nos fazem mais fortes e nos dão mais determinação, melhor; o problema é quando essas “horas” nos derrubam, ou nos obrigam a andar mais devagar…
 
 
 
 
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“Há Horas do Diabo” é precisamente o título do seu primeiro romance. Em que é que se inspirou para o escrever?
Inspirei-me na minha vida, nas pessoas que conheci, em histórias que me contaram, o resto é imaginação, claro; mas mais de 90% das personagens do meu livro foram inspiradas em pessoas reais, e foram “construídas” não exactamente como era a pessoa na vida real, mas quase, e algumas são até muito parecidas com pessoas que um dia conheci. Não posso no entanto deixar de referir a minha paixão pela escrita do Camilo Castelo Branco, sem dúvida o principal responsável pela minha vontade de escrever em prosa, de escrever romances, sem dúvida.
 
 
O que o levou a optar por publicar um romance, e não um livro de poesia?
Como já disse, a poesia é para mim uma coisa mais intimista, mais dos meus sentidos, da minha alma; é uma coisa que me custa mais a expor. Sinto-me mais nu na poesia, e doí-me mais, e estou certo que me ia magoar mais com as opiniões dos outros. Como disse, é uma coisa mais minha, mais pessoal; durante anos nem sequer mostrava o que escrevia, a ninguém, e muitas eu rasguei e queimei… Com a prosa tenho uma relação diferente, consigo distanciar-me mais, ser mais frio no que escrevo, apesar de não achar que a minha escrita seja “fria”, bem pelo contrário.
 
 
Que críticas tem recebido relativamente a esta obra? O público identifica-se, de certa forma, com as personagens e o ambiente onde a história se desenrola?
Bem, as críticas têm superado tudo o que eu esperava, e não estou a dizer isto por vaidade nenhuma, algumas pessoas que mal conheço e outras que nem sequer conheço, têm-me dito que adoraram o livro, incluindo as personagens e ambiente daquela aldeia. Lembro-me, assim de repente, de duas ou três, como por exemplo: “ri e chorei a ler o seu livro, que mais podia pedir?”; “obrigada, por conseguires despertar em mim, novamente, sentimentos que há muito não tinha quando lia um livro” ou por exemplo: “gostei tanto que o vou voltar a ler”, para mim estas críticas enchem-me o peito, dão-me ânimo para continuar, claro. Mas, eu sou de todas as pessoas do mundo a menos indicada para falar disso, não é?  
 
 
 
 
 
 
Nos diversos diálogos entre as personagens, optou por reproduzir a linguagem exatamente como era falada. Fê-lo com o objetivo de tornar a história mais realista e, de certa forma, transportar o leitor para aquela época, e aquelas gentes?
Não sei, não pensei nisso quando estava a escrever, é assim que eu escrevo, não o sei fazer de outra forma, não me preocupei muito com isso. Se a história em si fica a perder com essa minha abordagem? Se fica mais confusa a leitura? Não sei, confesso que não sei, isso só os leitores o podem dizer.
 
 
Na sua opinião, embora a trama se situe na década de 70, em termos de valores (ou a falta deles), atitudes e a própria mensagem que se retira da leitura, considera que esta poderia perfeitamente ser uma história passada na atualidade?
Claro que podia, obviamente que algumas coisas teriam que ser adaptadas ao nosso tempo, certas maneiras de falar são diferentes, a vida é diferente, a própria sociedade de 1970 é muito diferente da de hoje; mas os sentimentos das pessoas não mudaram assim tanto, penso que na essência das coisas somos muitos parecidos ao que éramos há 40 ou 50 anos atrás, continuamos a amar, a sofrer, a ser boas ou más pessoas, a ter ou não um sentido de honra; nunca partilhei daquela ideia de “vai-te mundo cada vez para pior”, acho que hoje continua a haver pessoas com um enorme sentido de honra e que procuram acima de tudo a verdade e a justiça, e outras que tanto lhes faz, desde que elas próprias estejam bem.
 
 
Para quando uma próxima obra?
Já ando de volta dela há algum tempo, chama-se “São Miguel dos Cães” e já tem as personagens principais, e até algumas secundárias, esboçadas, mas como é uma história de época, passa-se no século XIX na altura em que termina um ciclo de uma enorme violência em Portugal, as invasões Francesas, a que se segue, quase de imediato, aquela terrível guerra civil, entre Miguelistas e Liberais, as chamadas Guerras Liberais; e por isso exige muito estudo, muitas leituras, para que a obra seja convincente e os leitores a sintam real, como eu espero. O tempo é que não é muito, dava-me jeito estar reformado (risos), mas enfim…
 
 
Muito obrigada, Abílio!
 
Cara Marta, muito obrigado por esta oportunidade.
 
 
 

*Esta conversa teve o apoio da Chiado Editora, que estabeleceu a ponte entre a autora e este cantinho.