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Marta O meu canto

Guardamos tanta coisa só para nós - opiniões, sentimentos, ideias, estados de espírito, reflexões, que ficam arrumados numa gaveta fechada... Abri essas gavetas, e o resultado é este blog!

Marta O meu canto

Guardamos tanta coisa só para nós - opiniões, sentimentos, ideias, estados de espírito, reflexões, que ficam arrumados numa gaveta fechada... Abri essas gavetas, e o resultado é este blog!

À Conversa com Nelson Leal

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Nelson Leal. nasceu no lugar serrano de A-dos-Ferreiros, mas cedo foi arrancado das suas raízes e plantado nas terras estranhas e longínquas de Moçambique.
Para além do curso de Administração Naval, esteve também ligado ao jornalismo, tendo colaborado durante vários anos em vários periódicos regionais e insulares.
Actualmente oficial da Armada, na reforma, Nelson Leal é autor de "Moinho", "Crepúsculo de Sangue" e "O Reino dos Cegos", bem como "Rapto Sem Vilania", a sua última obra, editada em 2019.


Para ficarem a conhecer melhor o autor, aqui fica a entrevista:

 

 

 

 

 

 

Quem é o Nelson Leal?

Suponho que a biografia referida no livro seja suficiente. Atualmente estou reformado e sou presidente de uma IPSS a titulo voluntário, que me consome tempo, ralações e noites mal dormidas.

 

 

Como surgiu a sua paixão pela escrita?

Sempre tive uma musa dentro de mim que me atraía para estas coisas do espirito.

Lamentavelmente, apesar do barro disponível, este artesão nunca foi para além de toscos potes.

Andei pelos cartoons (colaborando nessa área em diversos semanários regionais), pratiquei pintura, cujos quadros amarelecem de teias no sótão da casa, fui articulista e coisa e tal.

Mas sempre, desde que me conheço, adorei ser artesão da palavra. Despretensioso, mas fiel e determinado…

 

 

O Nelson tirou o curso de Administração Naval. Em que ponto é que a escrita e a marinha se cruzam, ou se complementam?

A imensidão do mar, a solidão, o brilho pacato que das estrelas que floresciam na negritude do universo, quando ficava de “quarto” à ponte do navio,  tudo, tudo, convidava ao sonho.

E o sonho, quando se amansa na alma, acaba sempre por se sumir. Não quis que se sumisse e fui-o guardando nas palavras. Foi só isso…

 

 

Esteve também ligado ao jornalismo. Na sua opinião, o que de mais positivo e negativo tem constatado no que respeita à evolução do jornalismo, tanto no nosso país, como a nível mundial?

Às vezes apetece-me ser um Velho do Restelo, mas inspiro, conto até dez e amaino.

A evolução está a ser trepidante e o caldo cultural que a sustenta ferve, borbulha e, por vezes, escorre para fora do pote da humanidade.

É tudo muito rápido e as instituições não conseguem digerir convenientemente estas alterações, por vezes, cataclísmicas.

É o preço da modernidade. Uma moeda com duas faces. Uma, que nos pode salvar. Outra que nos pode matar. Portugal, um país aberto, não sendo uma ilha, será o que o mundo  fôr.

 

 

 

 

 

Depois de "Moinho" (2012), "Crepúsculo de Sangue" (2013) e "O Reino dos Cegos" (2014), chega, em 2019, "Rapto Sem Vilania". O que o levou a esperar 5 anos para lançar esta quarta obra?

Este hiato de 5 anos, decorre da minha opção pelo voluntariado, que me retira tempo para o sonho. E eu escrevo o que sonho.

 

 

Em que se inspirou para escrever este livro?

Inspirei-me nas coisas negras da vida. Nas contradições e nas injustiças sociais do mundo de hoje, de ontem e de sempre.

Refleti sobre a noção escorregadia da liberdade. Na contradição entre a liberdade individual e coletiva.

Se não era livre a Carla, deprimida pela angústia e entaipada pelos raptores, também já não o era, enquanto personagem de um mundo feérico e poderoso em que antes vivia. Afinal, o que é a liberdade?

 

 

A determinado momento, na história, Jacinta, filha de João Carlos e Carla, vai com o pai para Moçambique. Também o Nelson passou pela mesma experiência, na sua infância. Pode-se dizer que colocou, nesta história, um pouco da sua vida também?

Quando escrevemos, escrevemos também, sobre nós próprios, sobre o nosso pensar e sobre a nossa vida. Moçambique viu-me crescer. E quis que o livro crescesse com Moçambique.

 

 

 

 

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Porquê o nome “Rapto Sem Vilania”? Na sua opinião, um rapto pode, por vezes, ser um acto sem vilania?

O Alcindo foi, antes de tudo, uma vitima da sociedade. O rapto não passou de um grito de revolta. De uma tentativa  de fazer justiça pelas próprias mãos. O contexto, a mãe, o desprezo, a segregação, foram as causas. Quem seria o vilão? Ele, a vitima, ou o pai, o algoz?

 

 

Mais do que o rapto em si, foram abordadas outras questões com as quais nos deparamos no nosso dia-a-dia, como o poder, interesses financeiros e políticos, aparências, traição, vingança... Para si, quais são os maiores problemas com os quais a sociedade se depara na actualidade, e mais difíceis de combater?

Como dizia o poeta castelhano António Machado, “o caminho faz-se caminhando”.

Um mundo em rápida transformação, exige passos rápidos e permanentes. Não existe uma solução.

A sociedade muda com tal celeridade, que as soluções têm sempre um carater cada vez mais transitório.

Esse é o nosso drama. Os problemas ambientais são tão graves, que exigem alterações dramáticas no nosso comportamento, nos nossos hábitos de consumo e de mobilidade. De tal modo, que, para sobrevivermos, o mundo futuro (se sobrevivermos) terá que ser radicalmente diferente.

A economia não se faz sem consumidores. Ou seja, a pobreza é inimiga do desenvolvimento. Como conciliar esta verdade de Lapalice com a piramidização crescente do mundo financeiro, com a robotização do mundo económico, com o desemprego previsível e com o envelhecimento da população?

Ou se altera este estado de coisas, seja com maior regulação, seja com politicas globais de politicas fiscais e financeiras radicalmente diferentes, seja de que forma for, ou haverá um ponto de não retorno e depois… o futuro o dirá!

Dava para outro livro, a resposta a esta pergunta…

 

 

Que feedback tem recebido por parte dos leitores que já leram a história?

O meu feedback são estes olhos e a pouca massa cinzenta que se esconde por detrás da calva grisalha.

 

 

Muito obrigada!

 

 

Nota: Esta conversa teve o apoio da Chiado Books, que estabeleceu a ponte entre a autora e este cantinho.