"Anne With An E", na Netflix
A Ana dos Cabelos Ruivos fez parte da minha infância.
Muitos anos depois, voltei a recordá-la através da minha filha, quando começámos a fazer a colecção de DVD's de animação.
Agora, deparo-me com esta série da Netflix - "Anne With An E".
Ao contrário do que se possa pensar, esta não é uma série infantil, ou só para adolescentes. E não segue, em muitas partes, a história que todos conhecemos.
É uma série passada no século XIX mas, de certa forma, adaptada à realidade dos nossos dias.
É uma série sobre amor, amizade, família, pertença, aceitação.
É uma série sobre preconceito, racismo, discriminação, homofobia, intolerância.
É uma série sobre machismo, feminismo, lutas, direitos, resignação.
É uma série sobre sonhos, receios, mudanças.
É uma série sobre perdas, sobre frustrações, sobre fardos, mas também sobre alegrias, esperança, segundas oportunidades.
Sobre aprender com os erros, e melhorar a cada dia. Sobre o não se deixar de ser quem é, sem nunca ser aquilo que os outros querem que sejamos.
Sobre aquilo que fomos no passado, o que queremos ser no presente, e o que planeamos para o nosso futuro.
Quando, há dias, escrevi o texto sobre ser diferente, inspirado na série “Anne With An E”, baseei-me, sobretudo, na própria Anne, a orfã, a miúda de cabelo cor de cenoura, tagarela, sonhadora, revolucionária, que parece atrair para sim todos os azares do mundo.
Mal sabia eu que essa diferença estaria presente em toda a série, através de tantas outras personagens.
Bash, o homem negro, que vem mostrar o racismo que ainda existe nas pessoas.
A pessoas como ele, não é permitido aspirar a algo mais que servir os brancos, e fazer o trabalho duro e sujo, que mais ninguém faz. Ou não fosse ele filho de uma escrava que, mesmo depois da abolição da escravatura, continuou a servir a família que a manteve cativa. E, mesmo quando sai desse ambiente, continua a agir como se fosse uma mera empregada.
Bash encontra o amor da sua vida no "Bog", uma comunidade de Charlottetown onde vivem os negros, à margem do resto da sociedade.
Mas será junto de Gilbert, o seu grande amigo branco, que irão viver, em igualdade, e como família.
Cole e Josephine, o primeiro, um jovem na descoberta da sua sexualidade, um artista, que tem que reprimir tudo aquilo que é, por não ser aceite ou tolerado, e a segunda, uma idosa que escondeu durante anos a relação amorosa que mantinha com a sua companheira.
Se a segunda já pouco se importa com a opinião dos outros, fazendo o que bem lhe apetece, e aconselhando os mais jovens, Cole ainda irá sofrer, até encontrar o seu caminho.
Muriel, a professora moderna e feminista, que traz uma nova forma de ensinar os alunos, nem sempre vista com bons olhos, face ao ensino tradicional.
Ka’kwet, a indígena, vista como selvagem que é preciso "domar" para ser tolerada na sociedade. Ela vai para o que julga ser uma escola, mas que não passa de uma espécie de "campo de concentração para indígenas", do qual não poderá sair.
Marilla, a solteirona. É uma mulher que abdicou do seu grande amor, e da sua vida, para cuidar da mãe e, depois, do irmão mais novo. Sempre viveram os dois, um para o outro, o que levou a que, no caso dela, endurecesse o coração, e guardasse muita frustração, ao longo dos anos, dentro de si.
Mathew, o anti-social e tímido. Sempre foi uma criança tímida. Era o mais novo dos irmãos e, depois do irmão mais velho de ambos, e a sua mãe, terem falecido, só pôde contar com Marilla. Guarda uma grande mágoa da mãe, por não ter tomado conta deles. E uma tristeza por também não ter conseguido viver o seu amor, e formar uma família.
A história, bem, essa já a devem conhecer.
Anne é uma jovem orfã que foi levada, por engano, para Green Gables, onde a esperam Marilla e Mathew, achando que iam receber um rapaz.
Apesar de reticentes, e depois de esclarecidos alguns mal entendidos, os irmãos aceitam adoptar Anne, que passa a fazer parte da família e irá, aos poucos, para além de os deixar com os nervos em franja, amolecer os seus corações, e dar um novo sentido às suas vidas.
Anne não será bem recebida pela comunidade de Green Gables, nem tão pouco pelos restantes colegas de turma, à excepção de Diana, que será a sua melhor amiga.
Ainda assim, Anne tem uma predisposição para se meter em sarilhos, mesmo quando não os planeia, o que lhe valerá ainda mais inimizades.
Para a maioria, ela é vista como "lixo", a indesejada, a "vira-lata". E Anne irá, ao invés de esquecer, ressuscitar os fantasmas de um passado de tortura, no orfanato onde sempre viveu.
Com o tempo, acaba por fazer algumas amizades, e ser tolerada, até porque, em várias ocasiões, foi a sua sabedoria, destreza e coragem, que salvaram algumas situações, e pessoas, naquela comunidade.
Ao longo de quatro anos, assistimos à transformação de todas as personagens e, obviamente, ao crescimento de Anne, que deixa de ser criança, para passar à fase da adolescência.
Outro marco na história de Anne é a competição e rivalidade com Gilbert Blythe, tanto nos estudos, como na vida.
Claro que esta relação só poderia resultar num grande amor!


E as paisagens?
Quem não gostaria de percorrê-las, conhecê-las, explorá-las?
A Ilha do Príncipe Eduardo e, sobretudo, Green Gables, parecem o paraíso. Uma junção de praia, campo, animais, a natureza no seu melhor.
A série, dividida em três temporadas, num total de 28 episódios, soube a muito pouco, e deixou tanto em aberto.
Infelizmente, não será renovada e, como tal, resta-nos imaginar o que aconteceria, dali em diante, a cada uma daquelas personagens, que acompanhámos, como se também nós fizessemos parte da história!