Aos Olhos da Justiça
O que é a justiça?
Terá a mesma definição para todos?
Como é a justiça?
Racista, xenofóbica, tendenciosa, política, corrupta, justa, imparcial, precisa?
O que é permitido em nome dessa dita justiça?
Até que ponto a necessidade de "fazer justiça", cega quem tem esse poder nas suas mãos?
Quantas vezes se cometem injustiças, ao tentar "fazer justiça"?
E quando se "faz justiça", será que os lesados o sentem como tal?
Haverá algo que possa compensar o sofrimento, a dor, a perda, o trauma, o que quer que seja pelo qual a pessoa passou?
Vi, este fim de semana, a série "Aos Olhos da Justiça" ou, em inglês, "When They See Us".
Para quem ainda não ouviu falar, trata-se de uma série baseada em factos reais, sobre "Os cinco de Central Park", nome pelo qual ficaram conhecidos - 5 jovens com idades entre os 14 e os 16 anos, residentes no Harlem que, naquela noite, foram para Central Park "bravejar", e acabaram acusados de agressão e violação de uma mulher de 28 anos.
Quando vemos uma série como esta, o primeiro pensamento que nos vem à mente é "e se fossem os nossos filhos"?
Dizia uma mãe, na série "criamos os nossos filhos, vemo-los a crescer, e achamos que estamos a fazer um bom trabalho, e depois...".
Nem sempre é o caso mas, na maioria das vezes, fizemos mesmo um bom trabalho, e não nos podemos responsabilizar por algo que não é culpa nossa e, muitas vezes, nem dos nossos filhos.
Num clima de crescentes crimes de violação, importa encontrar culpados e apresentar resultados, dando ao povo um falso e momentâneo "conforto", proporcionando um apaziguamento nos ânimos e nos receios da população.
E este é o primeiro passo para se manipular os factos, para se distorcer a verdade, para obter falsos depoimentos, se for preciso, para se fazer encaixar peças que não pertencem àquele puzzle, nem que para isso tenham que inventar uma nova imagem, e limar cada peça, até fazer algum sentido.
O segundo, é o racismo. Curiosamente, os 5 jovens eram negros ou hispânicos.
Para conseguir arrancar a verdade que precisavam, valeu tudo, desde falsas promessas, mentiras, agressão física por parte da polícia, interrogatórios a menores durante horas a fio, sem a presença dos pais e com privação de comida, água e descanso, obtenção de falsos depoimentos e confissões através de um conjunto de ilegalidades.
O medo, o cansaço, a violência física e psicológica a que estes jovens foram sujeitos, a enorme vontade de voltarem para casa, e o facto de os pais não terem muitos conhecimentos sobre os procedimentos legais, leva-os a agir conforme aquilo que acham que é melhor, mesmo que não o seja, efectivamente.
Das atitudes dos pais, destaco a do pai do Tron que, acho que mais para se safar a si próprio, do que ao filho, o obriga a mentir e dizer o que a polícia quer ouvir.
E a da mãe do Yusef que, embora mais informada, tendo conseguido tirar o seu filho da esquadra sem que o mesmo assinasse qualquer depoimento ou gravasse a confissão acaba por, ela própria, achar que o seu filho é diferente dos restantes 4 acusados, que não deve "ser metido no mesmo saco", criando alguns atritos com as restantes mães/ familiares, com esta atitude de superioridade, que não lhe fica nada bem, sobretudo quando um dos jovens de quem ela mais quer distância, é o único que só foi parar à esquadra, e àquele pesadelo, precisamente para acompanhar o seu filho.
Infelizmente, por diversos motivos, algumas pessoas acabam condenadas apesar de serem inocentes, com provas inconclusivas e insuficientes.
Foi o que aconteceu a estes 5 jovens.
Sendo quatro deles menores, foram enviados para reformatórios, onde cumpriram penas de cerca de 10 anos.
O 5º, apanhado no meio de tudo isto e, por azar, com 16 anos, mas, apesar disso, na minha opinião pessoal o mais frágil e inocente, foi condenado uma pena mais elevada, e numa prisão de adultos. Foi o que mais sofreu. O que menos apoio teve. O que saiu com mais marcas, de mais de uma década de agressões e abusos que quase o mataram.
E depois?
Quando saem, como se recupera todo o tempo perdido?
Como voltam a viver, quando nada é igual?
Como se voltam a inserir na sociedade, quando todos os rejeitam?
Com todas as condicionantes que lhes são impostas?
Quando sentem que a liberdade não lhes traz nada de bom?
Quando começam a duvidar se as suas vidas não seriam melhores lá dentro, do que cá fora?
Uma coisa é certa: a prisão, e tudo o que acontece lá dentro, tem consequências na vida de quem por lá passa.
E se, alguns, conseguem lidar com elas e afastar-se de problemas, outros há que não o conseguem. Que tentam mas, juntando a elas a rejeição de que são vítimas cá fora, acabam por enveredar pelo caminho errado.
No caso destes 5 jovens veio, mais de 10 anos depois, a descobrir-se a verdade. Que tinham sido condenados injustamente, que estavam inocentes, e que o verdadeiro culpado era outro.
Foram indemnizados, naquela que foi a maior indemnização de sempre da história. Foi-lhes limpo o cadastro.
Mas, alguma vez, o rótulo de "violadores" será apagado da memória das pessoas?
Quem lhes devolve a vida, a adolescência, os anos perdidos?
Quem lhes devolve a inocência?
Que dinheiro lhes paga todas as atrocidades de que foram vítimas?
Haverá justiça suficiente para isso?
Nota:
Quando se acompanha uma série destas ao mesmo tempo de "Como Defender Um Assassino", é impossível não as comparar já que, na primeira, são condenados jovens inocentes enquanto na segunda, são várias as vezes em que, com uma boa advogada, se consegue ilibar assassinos.
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