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Marta O meu canto

Guardamos tanta coisa só para nós - opiniões, sentimentos, ideias, estados de espírito, reflexões, que ficam arrumados numa gaveta fechada... Abri essas gavetas, e o resultado é este blog!

Marta O meu canto

Guardamos tanta coisa só para nós - opiniões, sentimentos, ideias, estados de espírito, reflexões, que ficam arrumados numa gaveta fechada... Abri essas gavetas, e o resultado é este blog!

E de repente, passei a ser "a outra"!

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Chega uma pessoa aos 45 anos, para isto!

Perguntava o meu pai, ao meu irmão, onde é que eu trabalhava.

Como ele está com alguma confusão, o meu irmão pergunta se se estava a referir à Inês (neta).

Responde o meu pai: "Não, a Inês trabalha nos computadores. Estou a falar da outra." 

E é isto. Nem Marta, nem filha. Passei a ser "a outra"!

 

Isto até seria engraçado, se não fosse mau.

Ele já fazia alguma confusão antes, mas desde que teve covid e foi internado, para além de ter voltado fisicamente fraco, veio ainda pior a nível mental.

Claro que tem os seus momentos de normalidade, conversa, sabe o que diz mas, depois, tem momentos em que não sei o que se passa na cabeça dele.

 

Depois, como sou a única que mora ali quase ao lado, sou eu (ou marido, ou filha) que vamos lá ver se ele come.

E não gosto desse papel porque parece que só vou lá para lhe "enfiar comida na boca".

Porque ele precisa mesmo de comer e, se não andarmos em cima, petisca mas não se alimenta em condições. Mas não quero ser a "fiscal" de serviço.

Antes tomava a medicação habitual para o coração e rins.

Agora, reclama sempre que lhe dou os medicamentos.

Tem momentos em que não percebo se ele acha que eu vivo com ele, porque se eu saio, pergunta-me onde vou ou, quando chego, o que andei a fazer.

 

Por isso, nós vamos rindo, vamos relativizando, mas custa ver a pessoa que ele foi, e como está a ficar.

Ainda tem aquela garra de se levantar da cama. De ir até ao quintal apanhar sol. De, por exemplo, querer fazer a barba.

Mas passa o tempo entre cozinha, quintal e cama. Muito mais tempo na cama. 

Desde que veio do hospital, nunca mais quis ver televisão.

Acredito que ele já nem saiba como ligá-la. Mas mesmo quando pergunto se quer que ligue, responde que não.

Tenho a ideia de que ele também já não sabe atender o telefone, nem ligar para ninguém.

O que também não ajuda. 

 

E é isto. Chega aos 82 anos, e acho que alterna ali entre a vontade de viver mais uns tempos (ou não tinha pedido para ir ao hospital), e o deixar-se levar pelo cansaço.

Entre os momentos lúcidos, em que acreditamos que está a melhorar e que, com tempo, vai voltar ao estado anterior, e os momentos em que parece que essas melhoras não se estão a verificar, e que é uma questão de tempo, até se deixar ir.

 

Mas isto sou eu, que sou pessimista...

 

 

 

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