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Marta O meu canto

Guardamos tanta coisa só para nós - opiniões, sentimentos, ideias, estados de espírito, reflexões, que ficam arrumados numa gaveta fechada... Abri essas gavetas, e o resultado é este blog!

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Histórias Soltas #17: Sol de Outono

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Sabia-lhe bem aquela espécie de “sol de outono”, em pleno verão que, de verão, pouco teve no que respeitava a calor.

Nem sabia bem porque, de todos os lugares onde poderia ter ido, foi precisamente parar àquele jardim, que tantas memórias guardava.

Não tinha conta as vezes que ali fora ao longo da sua vida. Sozinha. Com as amigas. Com a filha. Com namorados.

O primeiro encontro, com o seu último companheiro, tinha sido ali. Uma relação que tinha chegado ao fim nesse ano.

Não por culpa da pandemia que se vivia, mas pelo simples facto de que, qualquer sentimento que tivesse existido ao longo daqueles dez anos de relação, se tinha esgotado.

Ela sempre dissera que o casamento iria estragar a relação. Mas foram em frente, e resultou, com muitos altos e baixos, durante mais oito anos.

No entanto, a paixão esmoreceu. A paciência falhou. O amor morreu.

Os bons momentos foram abafados pela rotina, pela falta de tempo, pela pouca convivência devido aos horários de trabalho de cada um, e pelas próprias personalidades que, a certa altura, começaram a antagonizar-se cada vez mais.

Durante algum tempo, foram adiando a decisão óbvia, na esperança de que tudo melhorasse. De que algum milagre lhes devolvesse aquilo que, algures, tinham perdido.

Até ao dia em que perceberam que já não valia a pena adiar mais o inevitável.

E assim se viu, de repente, aos 41 anos, novamente sozinha.

O jardim era propício para casais. Quase sempre se encontravam por lá alguns a namorar naquele ambiente romântico.

Mas ela não queria saber de relações.

Para ela, era um ciclo encerrado. Não tinha tempo para saídas noturnas, nem tão pouco vontade de se inscrever numa qualquer aplicação de encontros amorosos, para encontrar alguém.

E, como seria de esperar, no seu dia-a-dia não iria, de certeza, cair-lhe aos pés um príncipe encantado pelo que, no que respeita a relações, acreditava que já tinha tido a sua conta, e ficaria por ali.

Assim, agora dedicava-se à sua família, às duas felinas que tinham ficado à sua guarda e responsabilidade, à sua filha, e a si mesma.

Pois. O ser humano é um “bicho” estranho e contraditório.

A excessiva disponibilidade leva-o a ocupá-la com as mais diversas atividades que, quando percebe, o deixa sem qualquer disponibilidade, pelo que acaba por abdicar delas, para voltar a ter disponibilidade e, logo em seguida, vontade de querer ocupá-la de alguma forma

Não raras vezes, é por se sentir sozinho que acaba por iniciar uma relação amorosa. Para ter alguém ao seu lado, com quem partilhar os momentos, os dias, as férias, os fins-de-semana, as noites. Mas, às tantas, começa a sentir falta de tempo só para si, o que leva a que vá cada um para seu lado, voltando a estar sozinho, até sentir falta de ter alguém, e repetir o ciclo.

Ela tinha começado a correr. Algo que sempre detestou. Que nunca sentiu vontade de fazer, embora adorasse caminhadas. Mas que, agora, a entretinha e ajudava a melhorar a forma física.

Não que fosse gorda, que não era. Mas precisava de tonificar o corpo, que acusava a idade e a falta de quaisquer cuidados que não fossem uma alimentação razoavelmente saudável, e uma rotina que a impedia de levar uma vida sedentária.

No entanto, naquele dia, não tinha sido para se exercitar que tinha ido ao jardim. Apenas para estar ainda mais sozinha, e ler o último livro que tinha comprado.

Enquanto percorria o jardim, via pais e filhos deitadas na relva, a fazer piqueniques. Uma mulher, com as respetivas crias, atirava pão aos peixes do grande lago.

Havia pessoas a fazer caminhada. Outras, simplesmente, a passear.

Numa das zonas próprias, uns adolescentes jogavam à bola. A área de recreio estava encerrada, tal como o bar, devido às medidas adotadas para proteção contra o vírus que, naquele ano, tinha decidido atacar o mundo sem aviso, e parecia vir para ficar.

Por ali andavam também algumas adolescentes, a tirar fotos umas às outras, ou todas juntas, para ocupar o tempo que lhes restava das férias de verão, antes do regresso às aulas.

Passando as áreas mais frequentadas, os corredores, que davam ao cimo do jardim, estavam quase vazios.

E foi por isso que, quando viu aquele banco solitário, com o sol a bater, achou que seria o sítio ideal para pôr a leitura em dia.

Mas ler um thriller naquela parte mais recôndita do jardim pode transformá-lo, num ápice, de romântico em sinistro.

No meio daquela selva de árvores, e sem ninguém ali a passar, qualquer coisa poderia acontecer.

Os guardas do jardim não costumavam ir para aquela zona, mantendo-se mais perto da entrada e zonas mais movimentadas.

Com um pouco de imaginação, poderia ser o cenário perfeito para uma qualquer história, daqueles livros que costumava ler, sobre desaparecimentos e assassinatos.

Ainda assim, era um jardim familiar. E o que de mal poderia acontecer num jardim familiar?

Entre os seus pensamentos e o virar das páginas, entretanto lidas, nem reparou numa figura ao longe, escondida, a observá-la atenta e misteriosamente.

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