Histórias Soltas #31: O menino e a flor
Naquela pequena aldeia, viviam-se tempos difíceis.
A seca extrema obrigou ao racionamento da água, que era usada apenas para o essencial.
Naquela pequena aldeia, numa casinha de pedra, morava um menino. No jardim, a sua flor.
Eram companheiros, cúmplices. Tinham-se um ao outro. E ele não queria que a história de ambos terminasse.
Não havendo forma de a regar, como em outros tempos, e com a chuva a teimar em não cair, não sabia bem como mantê-la viva.
Mas, sempre que podia, sempre que conseguia, à socapa, guardar umas gotas de água, levava à sua flor.
Não era muito. Não era, certamente, o suficiente. Mas era melhor que nada. Talvez, com sorte, essas pequenas gotas lhe permitissem resistir mais um pouco.
Era a única coisa que ele podia fazer. Dar-lhe algum alento. Esperança. Por ela, e por ele.
No entanto, a flor via as coisas de outra forma.
Aquelas gotas, não só não lhe matavam a sede, como pareciam, pelo contrário, fazê-la ansiar por mais água.
Água que não sabia quando, ou se, algum dia, viria.
Não sabia quanto tempo mais aguentaria sem a água que, realmente, necessitava.
Além de mínima, parecia que aquela água já nem tinha o mesmo sabor de antes. Parecia insípida.
Talvez ela estivesse mesmo condenada.
Então, entrou em modo de rejeição.
Começou a recusar as poucas gotas que o menino lhe trazia.
Ao contrário do menino, que acreditava que mais valia pouco, que nada, a flor começou a pensar que mais valia nada, que tão pouco, se o fim que os esperava era o mesmo.
O menino não conseguia compreender.
Ainda insistiu, contrariando-a. Levando, de vez em quando, as suas preciosas gotas.
Mas vendo a atitude da flor, acabou por, também ele, se render. E desistir.
A flor percebeu que, quanto menos água tinha, menos parecia precisar dela.
Menos lhe sentia a falta.
Achou que era um bom sinal. Que a sua resolução estava a resultar.
Até que, um dia, simplesmente, morreu.
E, com a sua morte, também a de uma bonita história, que poderia ter tido outro final.
Imagem: abano


