Histórias soltas #7
"Em que momento é que as coisas mudaram?
Em que momento é que deixou de haver tempo?
Em que momento é que deixou de haver vontade?
Em que momento é que deixou de haver cumplicidade? Vontade de conversar, de partilhar?
Em que momento é que, sem darmos por isso, nos tornámos apenas colegas de casa?
Em que momento é que, insconscientemente, deixámos de lutar do mesmo lado, e declarámos, silenciosamente, guerra um ao outro?
Em que momento é que começámos a ser mais papistas que o Papa, e a implicar com coisas que sempre criticámos os outros por implicar?
Em que momento é que deixou de ser um prazer estarmos juntos, para ser um tormento?
Em que momento é que deixou de haver paciência, para dar lugar à irritação, à mais pequena palavra proferida?
Em que momento é que o silêncio passou a ser algo tão desejado?
Em que momento é que, apesar da proximidade, começámos a parecer tão distantes?
Tenho saudades dos tempos em que namorar era uma coisa boa. E talvez continue a ser, nós é que nem sequer temos disponibilidade para isso.
Eu bem sabia que era assim que as coisas iam ficar. Acontece sempre. Acontece a todos! Sim, não somos o primeiro nem o último casal em crise.
Não somos o único casal a ser engolido pela rotina, pelo trabalho, pelas obrigações, pelas responsabilidades.
No início é tudo muito bonito. Com o passar do tempo, a cobertura desvanece-se, e fica à vista aquilo que antes cobria.
Percebemos que algo está errado quando preferimos os momentos em que estamos sós, aos que estamos juntos. Quando começamos a fugir um do outro, a evitarmo-nos. Quando nos decidimos dedicar a uma quaquer actividade ou ocupação, como desculpa para passar o mínimo tempo um com o outro. Quando o ambiente se torna tenso e pesado, quando estamos juntos no mesmo espaço.
Ambos sabemos que ainda há amor. Esse não morreu. Não foi levado. Está, antes, soterrado. E é cada vez mais difícil chegar a ele e trazê-lo ao de cima.
Precisamos de tempo. Tempo é algo que não temos. Ou nem nos damos ao trabalho de tentar ter.
Porquê?
Não sei.
Será uma atitude conformista? Derrotista?
A única coisa que eu sei é que sinto cansaço, físico e psicológico. Esgotamento. E é mais fácil revestir-me de pedra, para ultrapassar cada dia que passa, mal aproveitado, mas vivido dentro do que é possível.
O que nos espera daqui para a frente? O que será de nós, a continuar assim?"
Caminhava pela praia, entregue aos seus pensamentos, depois de mais uma discussão sem sentido. Tinham sido várias nos últimos tempos. A praia era o seu refúgio. O seu porto de abrigo. O mar acalmava, a areia sob os pés descalços ajudava a relaxar.
Ia recordando os bons momentos que haviam passado juntos, desde que se tinham conhecido. As dificuldades também. E a forma como sempre tinham conseguido ultrapassá-las. Agora não estava a ser fácil.
Sentada na areia, ia observando o voo das gaivotas. Queria também poder voar como elas. Mas não podia. Mesmo que pudesse, não seria justo. Nem sequer sabia se seria justo estar a preocupar-se com estas coisas insignificantes, quando comparadas com tudo o que a sua irmã tinha passado, e ainda estava a passar. Ela sim, tinha problemas bem mais graves para resolver.
Mas, naquele momento, queria dar-se ao luxo de pensar na sua própria vida, e no seu futuro. Rodava a aliança no dedo até que, involuntariamente, a tirou. Estaria a chegar ao fim o seu casamento? Ou haveria ainda uma oportunidade?
Será que amar é suficiente para duas pessoas permanecerem juntas?
A aliança estava na sua mão. Bastava um gesto, e ela seria levada pelas ondas, levando também todas as esperanças de um final feliz.
Mas, seria mesmo isso que queria? Teria mesmo coragem de o fazer?