"Partir do Zero", na Netflix
Antes de mais, devo advertir que esta série talvez não seja aconselhável a pessoas que perderam familiares recentemente.
Mas, caso a comecem a ver, não se deixem (des)iludir pelo primeiros episódios. São enganadores.
Desde que a série estreou, que tudo o que tenho lido sobre a mesma vai num único sentido: excelente série, forte, dramática, é impossível alguém não se emocionar.
Pois eu, confesso, vi o primeiro episódio e... que grande seca!
Como é possível dizerem bem, quando isto é tão sem graça, tão banal, tão "mais do mesmo"?
Mas insistiam em dizer-me que valia a pena.
Lá continuei a ver. O segundo, ainda sem grande vontade. O terceiro, a melhorar. Daí para a frente, foi um atrás do outro.
E sim, vale bem a pena!
Para já, pela banda sonora, sobretudo as músicas italianas.
Depois, por tudo isto:
É uma lição de verdadeiro amor
O amor de Amy e Lino é posto à prova de todas as formas, mas nem por isso é abalado ou destruído.
Eles complementam-se. Tentam ser felizes, e fazer o outro feliz.
Tentam resolver os problemas. Conversam. Apoiam-se, em todos os momentos.
Afinal, amor é amizade, desgosto, apoio, família, felicidade, dor, beleza.
Há histórias de amor que são para sempre. E amores verdadeiros que vivem para além da vida.
É uma lição sobre a importância da família
Podemos não ter as mesmas ideias, as mesmas formas de viver, os mesmos objectivos.
Os nossos familiares podem não ser perfeitos, podem dar connosco em doidos, podem não nos compreender.
Podemos até nos desentender, dizer coisas que não devíamos, por vezes magoar.
Mas a verdadeira família, está lá quando é preciso.
Nos bons, e nos maus momentos.
E que não sejam preciso os maus momentos para voltar a unir familiares desavindos. Porque mais vale tarde que nunca, mas o tarde pode ser tarde demais.
É um alerta para a vida
Porque a vida pode ser curta. E nunca sabemos o que ela nos reserva.
Hoje estamos bem. Amanhã tudo pode mudar.
Nada é garantido.
É uma lição sobre nunca desistir dos sonhos
De que serve a vida sem sonhos?
De que serve viver pela metade?
Lino dizia muitas vezes a Amy: "Porque não? Como dizem os americanos, é tudo ou nada!"
E sim, é verdade que, mesmo que os cheguemos a concretizar, a vida pode vir, e destruí-los.
Mas não terá valido a pena tentar?
Aproveitar o que nos foi permitido experienciar?
É uma história sobre mudanças, aceitação, integração
Nem sempre é fácil mudar para um país diferente, onde somos apenas mais uma pessoa, um forasteiro.
Longe da família, longe dos amigos, longe daquilo que sempre nos fez feliz.
Nem sempre é fácil querer agradar, e ser rejeitado, ainda que não intencionalmente, e sentir que não sabemos o que estamos ali a fazer. Apenas, que não pertencemos ali. Que nos sentimos deslocados, perdidos.
Lino sentiu isso na pele.
Até as coisas mudarem, e ele estar totalmente integrado na nova vida.
É uma história sobre multiculturalismo
Amy, uma americana do Texas, a viver em Los Angeles, e Lino, um italiano de Castelleone (Sicília), a viver em Florença, e que se muda para Los Angeles, uma cidade que não tem centro, onde ninguém liga a futebol, onde não se come nada daquilo que ele está habituado.
Mas será que, apesar de mundos tão diferentes, e de famílias com tradições e culturas tão distintas, o principal não é universal?
É uma lição de coragem, resiliência, superação
Cancro: maldito cancro.
Esse bicho que continua a fazer estragos e a levar a melhor sobre aqueles que atinge.
Lino descobre que tem um cancro raro, e todo o seu mundo desaba.
Agora que tinha aberto o seu próprio restaurante, é obrigado a fechá-lo, para dar prioridade ao tratamento.
Agora que Amy tinha abdicado de um dos seus trabalhos, em prol daquele que, apesar de lhe pagar menos, a fazia mais feliz, tem que voltar a trabalhar duplamente.
Lino vence a primeira batalha.
Mas a guerra ainda estava no início.
Depois de um ensaio experimental que correu bem, e de se manter relativamente saudável durante 7 anos, eis que a vida lhe prega outra partida.
Só que, desta vez, é bem pior do que antes.
É uma história sobre os laços que unem a família
Como diz Amy, no fim, família são as pessoas que escolhemos amar, sejam elas de sangue, ou não.
Amy e Lino queriam ser pais. Mas a fertilização in vitro não fazia parte dos seus planos e, por isso, adoptaram uma menina - Idalia.
A maternidade/ paternidade não foi um desafio fácil para nenhum deles.
Por um lado, Amy começou por perder o crescimento da filha, por ter que trabalhar pelos dois. Por outro lado, Lino era um excelente pai, mas sentia falta de voltar a trabalhar.
Mas, no fundo, o que mais importava era a felicidade de Idalia.
Na verdade, o que mais importa é o bem dos filhos, sejam eles biológicos, adoptados ou emprestados.
É uma história sobre recomeços
Amy e Lino tiveram que partir do zero algumas vezes.
Conseguiram sempre dar a volta.
Será que conseguem vencer esta derradeira batalha?
Haverá ainda chance de Amy, Lino e Idalia terem um novo recomeço?
Ou esse será apenas para alguns deles?
A despedida
Como se despede, um pai, de uma filha?
Como se despede, uma filha, de um pai?
Como dizemos adeus à pessoa que amamos? Com quem planeámos toda uma vida? Com que ainda queríamos concretizar tantos sonhos?
Como nos despedimos, da melhor fase que estamos a viver, para o incerto? Para o abismo?
Como voltar a viver?
Onde encontrar forças para tal?
Escolhas
A vida de Amy e Lino foi recheada de escolhas.
Escolhas que trouxeram tristeza, escolhas que trouxeram felicidade.
Mas foram as suas escolhas.
E é assim que continuará a ser, até ao fim.
Porque a vida (e a morte) só a eles diz respeito.
Ver esta série fez-me, obviamente, recordar a morte da minha mãe, os problemas de saúde do meu pai, e o cancro de que me livrei a tempo e que, por pouco, podia ter feito estragos.
Fez-me pensar na minha filha, no quanto ainda quero estar presente na vida dela. No quanto ainda quero viver com ela.
E voltou a lembrar-me que as pessoas boas são sempre as primeiras a partir.
Embora, mais cedo ou mais tarde, todos sigamos o mesmo caminho.
Deixo aqui a música que mais me marcou no final da série: