"Pela noite dentro - Contos e Outros Escritos", de José da Xã
Comecei a ler este livro e foi, quase, como voltar atrás no tempo.
A uma outra vida, da qual pouco sabia, a não ser por algumas histórias que o meu pai foi contando e, recentemente, pela leitura do seu livro.
A uma outra realidade, de há muitas décadas.
A um Alentejo (no caso do meu pai), onde a única coisa que esperava os jovens era a vida no campo. Com tudo o que tem de bom. E de mau.
A dureza, o trabalho árduo, a pouca instrução académica, uma certa pobreza.
A vergonha, disfarçada pela dignidade.
A míngua, disfarçada pela simplicidade.
Os modos, por vezes algo abrutalhados, relevados pela sinceridade, simpatia e hospitalidade.
A coscuvilhice, perdoada pela união e entreajuda entre vizinhos. Afinal, todos se conhecem. Para o bem, e para o mal. Todos sabem da vida um dos outros. Todos falam uns dos outros. Mas, quando é preciso, estão lá.
O retrato de um povo que, embora trabalhe de sol a sol, e esteja dependente daquilo que a terra lhes dá, também é capaz de levar a vida com uma curiosa calma, satisfazendo-se com pouco, e dando valor às pequenas coisas.
Destaco a descrição, em muitos destes contos, da força das mulheres. Da sua capacidade de resiliência, e de como conseguem ultrapassar as dificuldades.
E a lealdade dos animais, para com os humanos com quem criam laços, e de alguns humanos, para com os seus animais, que consideram amigos ou, mesmo, família.
E "Os Felícios"?!
O que me diverti com eles!
De repente, o leitor salta do campo, para a cidade. De outros tempos, para a realidade actual.
A era das tecnologias, onde impera o vício das redes sociais. Os olhos permanentemente colados a um ecrã de telemóvel.
Os Felícios são uma crítica social. Uma espécie de sátira ao que observamos, em algumas famílias e na dinânimica entre cada um dos membros dessas famílias, hoje em dia.
O retrato dos jovens de hoje: dos seus interesses, das suas prioridades. E o dos adultos, por vezes tão ou mais imaturos que os jovens.
Ainda assim, é possível perceber que os Felícios preservam, apesar de tudo, o espírito de união de uma verdadeira família, que é coisa que se vê cada vez menos.
Acredito que "Os Felícios", e os seus caricatos episódios dariam, por si só, um livro autónomo e muito divertido!
Obrigada, José, pelo miminho, e pela oportunidade de ler estas histórias!
Parabéns à Olga pela ilustração da capa!