Deixem os Livros em Paz!
"Rapaz Conhece Rapaz" (e como um livro se torna polémico em pleno século XXI)
Os livros "Rapaz Conhece Rapaz" - Livro 1, e “O Nosso Segredo” - Livro 2, que fazem parte da colecção de livros de banda desenhada "Heartstopper", ambos da autoria de Alice Oseman e, em Portugal, editados pela Cultura Editora, fazem agora parte do Plano Nacional de Leitura.
A responsável pela escolha destas histórias para o PNL foi a especialista Andreia Brites.
Até aqui, tudo normal. Ou deveria ser. Aliás, nem deveria ser assunto.
Mas depressa se transformou em polémica!
Porquê?
Porque é uma história de amor entre dois adolescentes do mesmo sexo!
E, para muita gente, isso não pode ser.
Pobres crianças, agora "obrigadas" a ler estas coisas de gays. Não é que os paizinhos sejam contra os gays mas "ah e tal, os meus filhos não leem"!
Realmente, isto não se admite. A escola já não é o que era. Então agora quer destruir as famílias? Educar os jovens para a sexualidade? Corromper e desencaminhá-los? Já nem as crianças deixam em paz, livres para sonhar e brincar?
Tenham santa paciência!
Querem mesmo falar disso?!
Querem mesmo falar do conceito família?
Vamos lá então. O que será, para estes pais, uma família? A família que consideram "a célula fundamental de qualquer sociedade"?
Porque, para mim, como já aqui referi, família é muita coisa. Mas nada tem a ver com sexo e género. Há tantas famílias, que estes pais consideram "família", e são tudo menos isso. E, no entanto, existem tantas "famílias", que mesmo não encaixando nos padrões, constituem verdadeiras famílias.
Sim, durante séculos, a família foi vista como pai, mãe e filhos. Mas porque não, pai, pai ou mãe e mãe, e filhos? Desde que os valores estejam lá? Desde que o amor esteja lá? Desde que o mais importante esteja lá? O carácter das pessoas não se mede pela sua orientação sexual.
Sim, estamos habituados às histórias de amor entre homens e mulheres. Entre príncipes encantados e princesas. Entre os cavaleiros andantes, e as donzelas em apuros. Entre "homens de família" que trabalham para sustentar o lar, e as mulheres do lar, que ficam em casa a educar os filhos.
Mas os tempos mudam.
E já nos vamos habituando às histórias de mulheres emancipadas, donas de si mesmas, que não dependem dos homens para nada. Mulheres empoderadas, livres e felizes. E mulheres que desempenham papéis em igualdade com os seus companheiros.
Por isso, qual o mal de passarmos a ter histórias de mulheres que gostam de mulheres, e homens que gostam de homens? Neste caso, adolescentes?
Ah e tal, não tem mal nenhum. Mas recomendar esses livros no Plano Nacional de Leitura é que não!, dizem as pessoas.
A sério?!
Será que estas pessoas sabem sobre o que fala cada um dos livros que fazem parte deste plano? Será que uma história de amor, entre dois adolescentes do mesmo sexo, é o mais "escandaloso" que por lá encontram?
Olhem que não!
Será que estas pessoas, e pais, pensam que os jovens se vão tornar, de repente, homossexuais, por lerem um livro? Ou têm medo que os jovens, e filhos, considerem algo perfeitamente normal, o eles próprios não conseguem ver?
Será que esses mesmos jovens não leem outros livros do género? Não veem séries? Não veem filmes? Não veem essa realidade à sua frente, no seu dia a dia?
Voltamos a ter uma espécie de "Inquisição" e "censura"?
Dizem, estas mesmas pessoas, que educar cabe aos pais, e não ao Estado.
Vamos, então, falar de educar?
Educar não é esconder. Não é ignorar. Não é proibir. Não é fechar os olhos, e querer tapar os olhos dos educandos, à mudança, à diversidade, à realidade.
Dar a conhecer, não é incentivar. Mostrar que existe e acontece, não é apelar ou obrigar à imitação.
Educar é mostrar aceitação pela diferença. É não julgar. É não discriminar.
É dar liberdade aos jovens, podendo aconselhar, mas sem impôr, para que possam ter o seu próprio ponto de vista, a sua própria opinião, sobre o que os rodeia.
Educar é mostrar todos os caminhos que há. E não apenas aquele que nós queremos que eles sigam.
Educar é deixar que os educandos façam as suas próprias escolhas.
Educar é apoiar.
Educar é amar. E, quando se ama, tudo o resto é insignificante.
Isto é muito bonito de dizer, que a educação cabe aos pais. Mas muitos desses pais são os primeiros a descartar-se dessa educação.
A despejar os filhos nas escolas. A não fazer a mínima ideia de com quem andam, do que fazem, de como é a sua vida, dos seus problemas, inquietações e receios.
Muitos jovens mostram, nas escolas, ou noutros locais, a educação que não têm, que não lhes foi dada pelos pais.
E de certeza que não foi um livro que os influenciou.
Tivessem as pessoas mais preocupadas com aquilo que os jovens andam a fazer, quando nem os próprios pais sabem deles.
Quando são deixados ao abandono.
Quando estão entregues a si próprios.
Quando lhes falta a base, o apoio, os pilares que deveriam ter da família.
Há um movimento intitulado "Deixem as Crianças em Paz", que está absolutamente contra a iniciativa de incluir estes livros no Plano Nacional de Leitura.
Eu penso que é caso para dizer, em jeito de resposta "Deixem os Livros em Paz"!