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Marta O meu canto

Guardamos tanta coisa só para nós - opiniões, sentimentos, ideias, estados de espírito, reflexões, que ficam arrumados numa gaveta fechada... Abri essas gavetas, e o resultado é este blog!

Marta O meu canto

Guardamos tanta coisa só para nós - opiniões, sentimentos, ideias, estados de espírito, reflexões, que ficam arrumados numa gaveta fechada... Abri essas gavetas, e o resultado é este blog!

Rir para não chorar

(o pesadelo de uma urgência hospitalar)

Hospital Santa Maria (Centro Hospitalar de Lisboa Norte, EPE) | CM Odivelas

 

A manhã estava relativamente calma, para quem acabava de chegar, na sala dos "amarelos".

Algumas macas, algumas pessoas sentadas nas cadeiras, uma ou outra em cadeiras de rodas.

Utentes sozinhos. Outros, sobretudo os que estavam nas macas, acompanhados.

Os auxiliares mostravam-se prestativos, atenciosos.

Até o segurança ajudava.

Mas, à medida que as horas iam passando, o caos começava a instalar-se.

 

Eram chamados doentes, que sabiam que estavam a ser chamados, mas não tinham ninguém que os levasse, porque estavam nas macas.

Outros, nem sabiam, e ficavam por ali à espera que alguém se lembrasse deles.

Os auxiliares já pouco vinham cá fora tentar saber onde estavam os utentes chamados.

Tinham que ser os acompanhantes, ou os utentes que se podiam movimentar, a ajudar.

Cada vez havia mais pessoas. Cada vez o espaço ficava mais reduzido. Por cada maca que saía para o doente fazer exames ou ser visto, outras duas ocupavam o lugar.

Às tantas, já havia macas nos corredores, encostadas umas às outras, ou em qualquer buraquinho disponível, e até mesmo por baixo do ar condicionado, ou no meio das correntes de ar, como se não bastasse a doença que já tinham.

Sempre que passava outra, as que por ali estavam sujeitavam-se a levar um encontrão.

Havia doentes à espera de ser chamados para consulta há 24/ 48 horas. Alguns até se deitavam nas cadeiras. E outros que andavam por ali, entre exames e afins, há 2/3 dias, sem ir para casa, mas também sem saber se ficariam internados.

Havia pessoas cheias de dores, mas os auxiliares passavam por eles totalmente indiferentes.

Havia utentes a reclamar do tempo de espera, a desistir. Outros, já conformados, munidos de paciência, telemóveis carregados e algo com que se entreter.

E outros, já meio avariados do juízo, a passear pela sala e arredores descalços, com os sapatos na mão. A falar alto sobre doenças e mais doenças, como se alguém quisesse ouvir algo assim naquele momento. 

 

Tudo leva tempo. Tudo demora horas. Tudo é saturante, desgastante.

Os médicos demoram a chamar, apesar de estar tudo a rebentar pelas costuras.

Há congestionamentos de macas, utentes e cadeiras na área de gabinetes e tratamentos.

Não há qualquer distância de segurança. Nem sempre há álcool gel. Não há qualquer controlo ao covid. É tudo ao molho, e fé em Deus.

Isto é o dia a dia da urgência de um qualquer hospital central e, quem a ele recorre com frequência, já sabe como é. Mas, para quem não está habituado, é triste.

 

Na terça-feira, tive que ir à urgência do Santa Maria com a minha mãe.

Já nem da cama se conseguia levantar.

Não foi considerada uma situação de emergência, pelo que tivemos que chamar os bombeiros para a levar. Foram impecáveis, e até permitiram que eu a acompanhasse.

Chegámos por volta das 09.30h.

Foi vista pela médica perto das 11h.

Uma consulta que mais parecia uma anedota!

A médica estava mais preocupada com quem fazia as compras para os meus pais, e o que comiam, do que com o estado de saúde da minha mãe.

"Ah e tal, se ela não come muito é porque não tem fome. Não come porque não quer. Também na idade dela não precisa de comer muito."

"Não sei se a sua mãe preenche os requisitos para internamento. Ela é uma mulher saudável. Está melhor que eu."

Mandou fazer análises e soro. Tinha que ser eu a andar lá com a maca de um lado para o outro. Nunca a deixei. E depois, quando o meu irmão chegou, íamos trocando para não ficar sozinha.

Duas horas depois, nova análise ao sangue. E esperar.

Depois, tentativa de análise à urina. Beber água, que ela não conseguia. 

Teve que o meu irmão pedir mais soro, porque não tinham indicação para dar mais. Lá extraíram a urina por outros métodos.

Passava das 20h, quando a médica me chamou ao gabinete.

Queria fazer mais soro. E receitar antibiótico para infecção urinária. De resto, todas as análises estavam bem, portanto, não havia nada a fazer.

Então e não fazem outros exames?

Só se as análises apontassem para algo. Como está tudo bem, não fazemos mais nada.

Nisto, houve mudança de turno. Passagem de serviço. E nós ali à espera.

A nova médica entendeu que devia fazer mais soro.

Mais tempo de espera.

Chamaram-na depois das 22h. Para lhe dar alta. Não havia nada que pudessem fazer. Não era caso de internamento. E qualquer outra coisa não seria em urgência.

Soro em casa, é com o médico de família.

Sonda gástrica, é com o médico de família.

Outros exames, é com o médico de família.

Falei da dificuldade em deglutir. Não fazem consulta de otorrino em urgência, por isso, apenas podia referenciar para marcação de consulta.

Tive que pedir as análises feitas, porque dizem que não é hábito dar.

Saímos do hospital às 23h, com ela pior ainda do que tinha ido e, quando chegámos a casa e a deitámos na cama, só pensei. Não passa desta noite.

Mandaram-na para casa para morrer.

 

Ontem, já sem grande esperança, fomos ao Centro de Saúde.

Impecáveis.

Foi logo lá uma enfermeira pôr soro. Tivemos a aprender como se aplica.

À hora de almoço, foi a médica avaliá-la, e colocar a sonda gástrica. Tivemos a ver como se alimenta através da mesma.

Disse que calhámos com uma má equipa. Que não tivemos sorte. Que deveriam ter feito outros exames. Que deveriam ter passado um relatório de alta hospitalar. 

Queria que fossemos novamente à urgência, desta vez a outro hospital. Para ver se fazia o que o primeiro não fez. Recusámos. Nenhum de nós, principalmente a minha mãe, aguentava mais um dia inteiro num ambiente desses.

Lá passou uns exames para fazer cá fora. Para ver se se descobre a causa, para pensar no melhor tratamento. Que já estão marcados. E com sorte teremos transporte de doentes para a levar e trazer, porque ela está acamada.

Já fomos buscar uma cama articulada e um colchão antiescaras, emprestado pela Protecção Civil. Só falta montar, e transferi-la para lá. O que vai ser muito complicado.

Neste momento, falta-nos o apoio domiciliário, sobretudo para cuidados de higiene.

As listas de espera são grandes. E quando não é esse o caso, são os custos elevados que pedem.

Tínhamos uma instituição que poderia começar hoje. Abriam uma excepção, dada a urgência. Mas pediam 300 euros por mês. É a reforma da minha mãe! Tivémos que rejeitar. Agora é esperar por outras alternativas, mais baratas.

Até lá, temos que ser nós a mudar as fraldas, e tentar limpá-la minimamente, correndo o risco de o fazermos mal, de lhe partir alguma coisa, tal a fragilidade.

E não é fácil perceber o que diz. Ontem tive mesmo que pedir que escrevesse num papel, para poder ajudá-la.

Está tão fraca e debilitada, que o mínimo esforço lhe esgota as forças. Tem que ser tudo feito com tempo, calma e cuidado.

Mas para as duas médicas que a viram no hospital, estava de perfeita saúde!

Isto é só mesmo para rir, para não chorar com tamanha incompetência. Ou melhor, a facilidade com que descartam as pessoas e as responsabilidades para outros.

Já de um ou dois auxiliares e enfermeiros, e do segurança que por lá andava a ajudar, não tenho qualquer razão de queixa. Foram a única coisa positiva.

Tem sido uma semana para esquecer. 

Mas, ainda assim, apesar de tudo, está tudo a correr melhor do que prevíamos.

E está em casa, como sempre quis.

 

 

 

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