Histórias soltas #3
Levantou-se bem cedo naquela manhã.
O dia ainda mal tinha nascido. As luzes tinham-se desligado há escassos minutos. Começava a clarear lá fora.
A mochila já estava preparada desde o dia anterior. Não levava muito. Não iria precisar de muito, de qualquer forma.
Pegou na mochila, pô-la às costas e, quase silenciosamente, saiu para a rua. Como se tentasse fazer o mínimo barulho possível, para que ninguém desse pela sua saída.
Lá fora, estava um ar fresco. Uma neblina matinal cobria o céu. Provavelmente, dali a umas horas, a neblina desapareceria, tal como estava a desaparecer também, dando lugar aos raios de sol, que esperava voltar a ver na sua vida. Mas, naquele momento, sentia frio. Aconchegou a gola do casaco ao pescoço, e seguiu o seu caminho.
Não quis levar o carro. Preferiu fazer a pé a caminhada até ao terminal de autocarros. Gostava de caminhar. Foi um hábito incutido há muito tempo, e que nunca perdeu.
Àquela hora, havia pouca gente na rua. Quase todos ainda dormiam. Era sábado. Poucos se levantavam cedo para ir trabalhar. Muito menos para passear.
No seu caso, não se tratava de uma coisa nem de outra. Muitos poderiam dizer que estava a fugir. Talvez estivesse. Ou talvez quisesse apenas começar uma nova vida, longe de tudo aquilo que lhe estava a fazer mal, a destruir a sua vida.
Uma coisa era certa: estava de partida! Se esta sua decisão seria um acto de covardia, ou de coragem, deixaria ao critério dos que ficavam. Pouco importava.
Chegou ao terminal quinze minutos depois. O autocarro ainda estava fechado. Decidiu tomar um café, enquanto esperava.
Ia olhando ao seu redor, nem sabia bem à procura do quê, ou à espera de quê. Tinha tomado aquela decisão. Não queria voltar atrás. Não iria voltar atrás. Então, porque tinha a sensação de que as certezas se iam desvanecendo? Porque é que, inconscientemente, desejava que aparecesse ali alguém, que impedisse aquela loucura? Embora, ao mesmo tempo, quissesse o contrário, que ninguém atrapalhasse os planos que tanto tempo demorou a pôr em prática.
O motorista abriu a porta, e dois ou três passageiros que por ali se encontravam começaram a entrar. Estava na sua hora. Era agora ou nunca.
Olhou uma última vez, antes de subir os degraus do autocarro. Ali se despedia da sua anterior vida. Ali terminava uma etapa da sua vida. Uma nova estava à sua espera, longe daquela vila onde tinha nascido e crescido.
E assim virou costas ao passado, e entregou o bilhete ao motorista. Escolheu um dos últimos lugares. Assim, haveria menos probabilidades de ter companhia durante a viagem, e poderia ficar entregue aos seus pensamentos, à sua tristeza.
Uma ou duas lágrimas, involuntárias, ou talvez não, rolaram pela face. Mas logo as limpou à manga do casaco. Fez o que era certo, o que era melhor. Não havia volta a dar.
O autocarro partiu, e não pôde ver quem, a poucos metros, vendo o autocarro partir, se despedia de si...