A guerra…
Procurei, calmamente, escapar dela.
Eu.
A minha família.
Os meus amigos.
E todos aqueles que aqui estavam, tranquilamente, a viver a sua vida.
Não a antevi. Não a percebi.
Para falar a verdade, nem sequer a concebi. Não a imaginei.
E, no entanto, parece que ela estava implícita.
Nas entrelinhas que não vi.
Nas letras pequeninas que ignorei.
Falava-se disso, é certo.
Mas acontecer mesmo, não acreditava.
Não queria acreditar.
Até ao dia em que aconteceu.
E percebi que era real.
A guerra…
Procurei, racionalmente, contorná-la.
Tentei esconder-me. Mas não o consegui fazer.
Arrisquei enfrentá-la. Afinal, sou forte.
Mas ela fintou-me.
E avisou-me do que me esperava, se continuasse.
A guerra…
Procurei, seguramente, afastar-me dela.
Deixando tudo para trás.
Anos de vida. De lutas. De conquistas.
Tudo o que tinha construído. Alcançado.
Não havia tempo.
A guerra…
Procurei, apressadamente, salvar-me. E aos meus.
Com o receio, a angústia, e a tristeza a inundar-me.
Com a sensação de perda. De fracasso. De luto.
De lágrimas nos olhos. O coração, nas mãos, apertado.
E uma dor no peito, impossível de descrever.
A guerra…
Porque é que, simplesmente, não nos deixam?
Porque é que, simplesmente, não nos respeitam?
Porquê, nós?
Sempre os mesmos.
Os que ficam. Os que partem. Os que já nada podem fazer.
A guerra…
Procurei, desesperadamente, fugir dela.
Mas, por mais que fuja, ela persegue-me.
Nenhum lugar é seguro.
Mesmo que assim o creia.
Sinto que não passa de uma ilusão.
Mesmo quando me dizem que está tudo bem.
Que estou em segurança, e já não corro perigo.
Sinto que, a qualquer momento, uma bomba pode rebentar.
Um míssil pode cair.
A morte me pode levar.
A guerra…
Procuro ter fé. Ter esperança.
Acreditar que o pior já passou.
Que já não corremos perigo.
Mas não passou.
Porque os traumas ficam para sempre.
Os traumas.
As marcas.
O medo.
A destruição à nossa volta.
O que se perdeu, e já não se recupera.
Perde-se a liberdade.
Perde-se a inocência das crianças.
Perde-se a alegria.
Perde-se a segurança.
Perde-se um povo.
A guerra…
Procuro, deste lado, acreditar que vai acabar.
Com um sentimento de gratidão.
Por ter tido a oportunidade de sobreviver.
Ou, quem sabe, desolação.
Por ter perdido os meus, pelo caminho.
Do outro lado, os que ficaram de livre vontade.
Para defender a nossa terra.
Ou foram obrigados a ficar.
Para lutar nesta guerra.
Com as armas que têm, e que não têm.
A guerra...
Espero, um dia, regressar.
À minha terra. Ao meu país.
Ter tempo para recomeçar a vida, que ficou suspensa.
Até lá, resta rezar para que mais nenhum inocente sofra.
Nesta guerra que nunca quisémos. E nunca pedimos...