Será verdade que "toda a gente tem um preço"?
Se há coisa que me irrita é deparar-me com pessoas falsas, que têm duas caras, que mudam de opinião conforme mais lhes convém, e que tentam desculpar, defender ou, até gabar, aquilo que, antes, criticavam.
O meu marido começou, há uns anos, a falar com um senhor que acabava por ser seu colega de profissão, embora em empresas e funções distintas.
Nessa altura, e por aquilo que o meu marido me ia contando, percebi que era alguém que defendia com unhas e dentes a empresa onde trabalhava, como se estivesse a ser pago para dizer bem dela.
Não digo que cada um não fale por si, e da sua experiência pessoal e, se esta é boa, não pode dizer o contrário. Mas a forma como essa pessoa defendia e gabava a empresa, mesmo quando confrontado com situações que apontavam no sentido inverso, fez-me passar a vê-lo como alguém não confiável.
De há uns tempos para cá, desconfio muito de pessoas que se mostram logo muito amigas, muito prestativas. E, de algumas pessoas com quem nunca fui muito à bola, esta foi uma delas.
O dito senhor foi, até há pouco tempo, um activista no sector, no sentido de alertar para as más práticas das empresas, a nível geral, de incentivar à denúncia, de ajudar os colegas a resolver as suas questões, de contactar entidades competentes e fazer de intermediário.
Fê-lo porque quis. Perdeu uma boa parte do seu tempo a dedicar-se a isto, porque quis.
Fundou, inclusive, juntamente com outros, um sindicato para defender os trabalhadores.
Como em tudo na vida, quando alguém se mete nestas coisas, há sempre quem apoie e quem desconfie das boas intenções. E isso dá azo a guerras e picardias. A acusações de parte a parte. A lavagem de roupa suja e baixarias, a que nem vale a pena dar importância.
Não tenho dúvidas de que esta pessoa terá feito, em determinado momento, um serviço público a alguns trabalhadores e ajudado, de facto, muitos deles. Acredito que, em determinada altura, tenha lutado pela classe.
Mantive a minha opinião, sem dar relevância ao que se ia ouvindo sobre a pessoa, porque, nestas coisas, é fácil difamar e acusar alguém quando não se vai com a cara dele, ou quando consegue aquilo que outros também queriam, mas não conseguiram.
O dito senhor mudou, entretanto, para uma outra empresa, onde trabalha o meu marido.
Até então, o senhor denunciava todas as empresas em incumprimento. Apenas aquela em que trabalhava cumpria as normas. Agora que é gestor de clientes desta empresa, é esta que ele defende, argumentando que nenhuma cumpre a lei a 100%, e desvalorizando as situações que estão a ser denunciadas.
O que é que mudou?
Porque é que lhe custa tanto admitir o que está à vista de todos?
Será mesmo verdade que toda a gente tem um preço?
No passado mês de Janeiro, os salários não foram pagos no final do mês. Ainda há pessoas que não receberam subsídios de refeição. O meu marido é um deles.
Mas o dito senhor vem dizer que nada está em atraso!
Insiste em defender a empresa.
Diz-se que é pelo cargo que tem, pelo ordenado que já lhe foi pago, e pelas regalias que a empresa lhe ofereceu.
Que ele tenha aceitado o cargo e pensado primeiro em si, ninguém tem que criticar. Se a empresa já lhe pagou a ele, e aos outros não, também não é algo que dependa dele. Faríamos o mesmo no seu lugar. Que se abstenha de falar da empresa, também compreendo.
Mas tapar o sol com a peneira e ainda gozar com o mal dos outros, isso não.
Para que percebam a dimensão do problema, vejam a reportagem que deu ontem na SIC, no Jornal da Noite, sobre o mesmo.
Ou AQUI.
A realidade é uma só: existem vencimentos em atraso, bem como subsídios de refeição ainda por receber.
Os problemas, para mim, são vários: junta-se o Estado, que é o pior pagador/ devedor do país, a empresas que, para ganharem os concursos, praticam preços baixos, que não lhes permitem sustentabilidade para pagar os trabalhadores de que necessitam.
Depois, haverá, provavelmente, um problema de má gestão. E uma enorme falta de honestidade por parte da empresa que se vale de desculpas que não explicam, e nas quais é difícil de acreditar.
E quanto mais vão mentindo, ocultando, inventando, mais difícil se torna manter a pouca credibilidade que ainda tivesse.
É certo que honestidade não paga as dívidas ao final do mês, nem põe comida na mesa. Mas preferia ver um chefe ou patrão que se chegasse à frente e esclarecesse a situação aos trabalhadores: a empresa não tem dinheiro para pagar tudo, o que há é isto, só podemos pagar isto, para que todos possam receber alguma coisa (ou ninguém recebe nada), não sabemos quando ou se conseguiremos pagar o resto, e cada um é livre de ficar e esperar ou de sair, sem prejuízo.
Tão simples como isto.
Só não queiram é fazer os outros de parvos.
E, quanto ao dito senhor, se por força da sua posição na empresa e assegurado o seu salário e regalias, estiver obrigado a não falar mal da mesma, que se abstenha de certos comentários e de ostentar a sua sorte, face ao enorme azar geral dos outros.