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Marta O meu canto

Guardamos tanta coisa só para nós - opiniões, sentimentos, ideias, estados de espírito, reflexões, que ficam arrumados numa gaveta fechada... Abri essas gavetas, e o resultado é este blog!

Marta O meu canto

Guardamos tanta coisa só para nós - opiniões, sentimentos, ideias, estados de espírito, reflexões, que ficam arrumados numa gaveta fechada... Abri essas gavetas, e o resultado é este blog!

Adolescência

a série de que todos falam

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Acho que posso afirmar, sem andar longe da verdade, que esta é a série do momento!

Aquela de que todos falam, que todos comentam, sobre a qual todos têm algo a dizer.

E, opinião quase unânime, uma excelente série.

Que todos deveriam ver: pais, filhos, alunos, professores.

E que até chegou ao parlamento britânico, reacendendo o debate acerca da influência, nos jovens, das redes sociais.

 

Quanto a mim, digo-vos que comecei a ver a série e, a meio do segundo episódio, desisti!

Não estava a cativar nada, não me estava a passar mensagem nenhuma. Em bom português "uma grande seca". 

Qualquer coisa era bem vinda, e me distraía daquilo que estava a fazer um esforço para ver.

 

Não sei se por, no fundo, nada daquilo ser uma novidade para mim.

Oiço muitas pessoas dizerem que é um choque de realidade, um soco no estômago.

Mas, a verdade, é que vemos situações do género a toda a hora. Cada vez mais adolescentes perdidos, influenciados de forma negativa pelas redes sociais, vítimas de bullying, da crueldade dos seus pares.

E sim, como se costuma dizer, até "no melhor pano cai a nódoa".

Os pais fazem o melhor que podem (os que fazem) com aquilo que têm. Também a sua vida não lhes permite, mna maioria das vezes, um maior acompanhamento dos filhos. E, ainda que assim fosse, não podem controlá-los a todo o instante. Saber o que lhes vai na cabeça. Prever as suas acções.

Claro que, quando há cumplicidade, diálogo, compreensão, abertura e disponibilidade, tudo pode ser diferente. Mas não é uma garantia absoluta. 

E, também, nas melhores famílias, pode acontecer aquilo que nunca, ninguém, pensaria.

Por outro lado, os pais podem exercer, eles próprios, mesmo sem o saberem, uma influência negativa nos filhos. Seja pela exigência em relação a eles, e eles, pelo receio de desapontar, ou envergonhar.

Todas as fases são complicadas, e a adolescência não é excepção. Aliás, incidentes, crimes, começam a ser cada vez mais frequentes até na infância.

Portanto, como dizia, nada isto é surpresa ou novidade.

 

Mas, como sou teimosa, e porque queria ver aquela que, para mim, é uma das cenas mais bem conseguidas da série - a conversa de Jamie com a psicóloga - recomecei a ver, de onde tinha parado.

A série começa a melhorar para o final do segundo episódio, o que ajudou a terminar de vê-la (até porque são só 4 episódios).

 

E só vos digo: uma vénia para a interpretação de Owen Cooper e Erin Doherty!

Sobretudo, para Owen que, com apenas treze anos, fez um trabalho fenomenal no seu primeiro papel, na sua primeira cena gravada.

 

Quanto à história em si, Jamie é um rapaz de 13 anos acusado de assassinar uma colega de escola, esfaqueando-a até à morte.

Não percebi o porquê de todo aquele aparato policial para deter o rapaz, como se se tratasse de um bandido extremamente perigoso, de um qualquer cartel de droga, ou algo semelhante. 

Sim, é um assassino. Mas também é apenas um jovem. Que estava em casa, com a sua família. Assustado.

 

Por outro lado, é fácil perceber a "culpa" que, um acontecimento como este, gera em todos ao redor.

Nomeadamente, no Inspector Bascombe que, de repente, perante tudo o que presencia na escola, decide aproximar-se do seu enteado, tentando estar mais presente, percebê-lo melhor.

É um começo, sim. É positivo.

Mas não é isso que o vai levar, de uma hora para a outra, a tornar-se o melhor amigo, o confidente. Não é de um momento para o outro que vai conseguir perceber toda a complexidade dos jovens, dos seus problemas, das suas interações, dos seus receios, das suas dinâmicas, e do que os leva a cometerem determinados actos.

 

Posto isto, pode-se dizer que "Adolescência" é mais um alerta, mais uma chamada de atenção, mais uma oportunidade de reflectirmos sobre aquilo em que o mundo se está a transformar.

Nos jovens que estamos a criar, a educar, nesse mesmo mundo louco. Em toda a rede de suporte e apoio (ou falta dela) que os (e nos) empurra para determinados caminhos.

Mas, como digo, não é a única.

 

A culpa?

Essa pode ser de todos, em geral. E não é de ninguém, em particular.

No fundo, morre solteira.

É a dura realidade dos nossos dias, reflectida, mais uma vez, no ecrã e na ficção.

 

 

 

 

 

Um mundo à nossa medida

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Chego à conclusão que vivemos num mundo à nossa medida:

Um mundo desumano, para os (des)humanos que nele habitam.

 

É o mundo que merecemos.

 

Um mundo que nos olha com a mesma indiferença (e descaso), com que olhamos para ele, e para quem dele faz parte.

Um mundo que nos trata com a mesma crueldade, com que o tratamos, e aos seres que nele habitam.

Um mundo que nos paga na mesma moeda, com que lhe pagamos.

Um mundo egoísta, na mesma medida em que os humanos o são.

Um mundo ingrato, perverso, injusto, tal como o são os humanos.

 

Este não é um mundo para seres vulneráveis, e desamparados, para quem se olha de lado, para quem se vira a cara, e as costas, sem nos preocuparmos com o seu sofrimento.

Este não é um mundo para seres puros, bondosos, que nenhum mal fazem, mas a quem os humanos insistem em fazer mal, por pura maldade.

 

Este é o mundo em que os humanos o tornaram.

Um reflexo de si próprios.

Um mundo que, à semelhança de um boomerang, lhes devolve tudo o que lhe atiraram.

Um mundo que, à medida que o vão destruindo, destrói igualmente, e ainda com maior facilidade.

 

É, no fundo, o mundo perfeito.

E, para aqueles a quem se torna difícil viver neste mundo cruel, com o qual não se identificam, e no qual não se reveem, resta esperar que, um dia, um outro mundo, melhor, lhes esteja destinado.

 

 

 

 

 

 

"Amandla", na Netflix

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"Amandla", palavra que nas línguas Nguni (angunes) significa "poder", era um grito de guerra e de luta contra a opressão e a segregação racial, também conhecida como apartheid.

A história deste filme começa, precisamente, no Dia da Reconciliação, feriado da África do Sul, em que se celebra o fim da segregação racial e a promoção da reconciliação e a unidade nacional.  

 

É também o dia do aniversário de Impi.

Impi é um rapaz de 11 anos, que vive com os pais e o irmão mais novo, Nkosana, na propriedade dos patrões dos pais. Impi e a sua família são negros. Os patrões, brancos.

Neste dia, a mãe de Impi aconselha os seus filhos a manterem-se longe da "casa grande", onde os patrões darão uma festa e receberão convidados, para celebrar o feriado.

E estes, assim fazem.

 

Ainda assim, os irmãos são abordados por 3 homens brancos, obviamente racistas, que lhes atiram bosta à cara e ao corpo, até que a filha dos patrões intervém, e os faz parar e sair dali para fora.

Elizabeth, uma miúda que pretende, quando for adulta, lutar pelos direitos humanos, é a melhor amiga de Impi e Nkosana. E, nesse dia, acaba por beijar Impi, momento que é observado pelos tais homens, e que lhes atiça ainda mais o ódio pelos pretos, e a revolta pela farsa que o Dia da Reconciliação simboliza. 

 

Este é o ponto de partida.

Como vingança, estes homens matam os pais de Impi e Nkosana, obrigando-os a fugir a meio da noite, sem destino.

No entanto, não diria que este é um filme sobre racismo, mas antes sobre dilemas morais.

Sobre decisões que, em determinadas circunstâncias, as pessoas são levadas a tomar. E que podem transformar completamente uma pessoa.

Impi é o mais velho. Aparentemente, o mais sensato. Aquele que deve tomar conta do irmão. Faz o melhor que pode, com o pouco ou nada que têm, mas nem assim conseguem o que quer que seja.

Nkosana tem dificuldade em perceber as intenções do irmão, e o porquê de estarem naquela situação. Ele está cansado. Tem fome. O irmão prometeu, ainda que em jeito de brincadeira e incentivo, uma boa refeição só que, ao cair da noite, não existe.

E Impi, faz aquilo que o coração lhe mandou - roubou duas garrafas de leite que estavam à porta de uma casa, por onde passavam...

 

Agora, ambos são adultos.

Confesso que, apesar das evidências, inicialmente, troquei os irmãos. Só depois percebi.

Impi é, agora, um ladrão, também conhecido como "o fantasma".

Nkosana, está a formar-se para ser polícia.

Logo aqui, temos um antagonismo.

Para o irmão poder estudar, e ter uma profissão decente, para trazer comida para casa, para terem uma casa, Impi teve que arranjar dinheiro da única forma que soube fazê-lo, embora mentindo ao irmão, afirmando que trabalhava nas minas.

Aparentemente, Nkosana acreditou, e aceitou tudo o que Impi lhe deu.

 

Num dos últimos momentos entre irmãos, ambos são confrontados com essas decisões, acções, reacções, ou falta delas.

Sobre aquilo que sabiam, mas fingiram não ver, aceitando, e usufruindo.

Sobre aquilo que poderiam ter feito de diferente. Sobre escolhas.

Há uma responsabilização e culpabilização mútua e, no entanto, será que algum deles teve culpa?

 

Tenho ouvido muitas vezes que "não se deve fazer pactos com o Diabo" e "não se deve fazer negócios com a Morte". Nunca dá bom resultado. E isso ficou bem latente neste filme.

Numa região onde, mais do que o racismo, existem guerrilhas dentro da própria raça, a sede de poder, e uma constante vigilância e rede de informantes, Impi acabou por se colocar na "boca do lobo".

E, uma vez lá dentro, não há volta a dar.

Impi acaba por ser suspeito de violação de uma estudante, nada mais, nada menos, que a sua amiga de infância, Elizabeth, que sempre o ajudou e defendeu.

Nkosana, sabendo disso, tenta ajudar o irmão a fugir, juntamente com a mulher e a filha, começando uma nova vida longe dali, mas sem conseguir desculpar Impi pelas atrocidades que cometeu, condenando-o pela vida que escolheu.

 

A questão é: escolheu?

Teve hipótese de escolha? 

Escolheu o caminho mais fácil? Ou o único possível?

E agora, terá ainda uma oportunidade para fazer diferente? Para se redimir?

Para viver a vida que sonhava quando era apenas uma criança?

 

Que destino estará reservado a Impi, a Nkosana e a Elisabeth, quando todos os seus sonhos lhes foram, abruptamente, roubados e atirados ao lixo?