A Ilustre Casa de Ramires, de Eça de Queirós
Tenho este livro em casa desde 1996. Foi-me oferecido por ocasião dos meus 18 anos.
Não me recordo se o li na altura. Mas li-o agora. Vinte e cinco anos depois.
Não é dos meus preferidos do Eça. Gostei muito mais d’Os Maias.
A comparação entre Presente - Passado/ Família Ramires, Gonçalo – Portugueses, Portugal
Em “A Ilustre Casa de Ramires”, ficamos a conhecer a história da família Ramires, numa ação dividida em duas épocas distintas: a real, passada no século XIX, tendo como protagonista de Gonçalo Mendes Ramires, também chamado de Fidalgo da Torre, e a ocorrida no século XII, que nos é contada por Gonçalo, através da novela que está a escrever, e que tem como protagonistas os seus antepassados, nomeadamente, o seu avô Tructesindo Ramires.
Esta ação em dois tempos, e a própria família Ramires representam, de certa forma, o Portugal do passado, através de Tructesindo, e o Portugal do presente, através de Gonçalo.
Um Portugal outrora orgulhoso dos seus feitos heroicos, das suas conquistas, dos seus valores e tradições e, agora, economicamente e moralmente falido, abandonado, entregue a um governo que pouco faz, tal como os Ramires que restam.
Um povo cheio de bravura e valentia, que agora se acobarda, que se encolhe perante outros, que deixa corromper, traindo os valores que lhe foram passados pelas gerações anteriores e que, agora, são ignorados.
Tal como Gonçalo Mendes Ramires que, perante a pobreza em que se encontra, com as dívidas que acumula dos tempos da faculdade, e a baixa renda, que mal dá para manter o solar, procura caminhos nem sempre éticos e morais, que lhe proporcionem dinheiro para manter a sua propriedade, e lhe permitam manter o bom nome e o prestígio da família.
A perda dos valores, da honra e da dignidade, pelo dinheiro
A política apresenta-se como o caminho mais fácil para o conseguir.
Para se candidatar a deputado, Gonçalo tem, no entanto, que pôr de lado o seu orgulho, de abandonar as suas convicções, e reatar a amizade com o seu inimigo André Cavaleiro, o Governador Civil, que tanto criticou até então, por puro oportunismo.
Ainda que isso signifique trazer para perto da sua irmã Gracinha, o homem que a abandonou sem explicação, e que, agora, com esta proximidade, poderá arruiná-la, ao seu casamento, e ao bom nome da família.
No entanto, convence-se, e aos outros, de que o faz por um interesse maior, pelo país.
Mas também não põe de parte o casamento com a viúva D. Ana Lucena, agora que ela herdou tudo o que era do falecido marido.
Dualidade na caracterização do Gonçalo
Gonçalo é descrito como um homem fraco, mas que, ao mesmo tempo, se quer mostrar superior.
No início, acobarda-se perante as situações de perigo em que se vê.
Deixa que os outros, subtilmente, “mandem” em si, dizendo-lhe o que deve fazer, como deve agir, o que lhe convém.
Não se mostra muito honrado, faltando à sua palavra, por causa de dinheiro.
Algo que contrasta com a sua intenção de seguir as pisadas dos antepassados e honrá-los.
Apesar de, muitas vezes, se comparar aos seus antepassados nas virtudes, também muitas vezes percebe que as suas ações os envergonhariam.
Mas, por outro lado, é sensível e generoso. Brando e benevolente.
Ajuda os que mais precisam. E gosta muito de crianças.
Não é dado a confusões, a conflitos, a guerras.
A renovação social através da literatura, do saber e da arte
No início da história Gonçalo e o seu amigo José Lúcio Castanheiro tomam, como missão, restaurar o romance histórico em Portugal, promovendo a ressurreição do patriotismo e do amor ao país, e enaltecendo os seus heróis, e os seus feitos, que parecem, agora, caídos em esquecimento.
E pretendem fazer essa renovação social através da literatura, do saber e da arte, como outrora o fizeram os antepassados, com a espada.
Por outro lado, no Portugal do século XIX, a escrita pode ser um meio de se alcançar algum prestígio e reconhecimento, levando a outras conquistas, como a que Gonçalo almeja, na política, como deputado.
Castanheiro funda, então, a revista Anais de Literatura e de História, para a qual Gonçalo irá escrever, para o primeiro número, uma novela sobre o avô Tructesindo, intitulada “Torre de D. Ramires”, que relata a vingança de Tructesindo contra Lopo de Baião, pela morte do seu filho Lourenço, por este raptado e usado como forma de Tructesindo conceder a mão de D. Violante em casamento, algo que este nunca permitirá, mesmo que, para tal, tenha que ficar sem o filho.
Como manter os valores e tradições dos antepassados, adaptados aos tempos atuais
Essa novela fará Gonçalo refletir, à medida que a vai escrevendo, sobre a sua honra e honestidade, e tudo aquilo que a sua família defendeu. Embora os tempos sejam outros, e alguns costumes rígidos e bárbaros já não sejam aceitáveis poderá, ainda assim, haver uma regeneração de Gonçalo e, paralelamente, de Portugal?
Restará algo da alma dos seus antepassados em si, e dos portugueses do passado, nos jovens que serão o futuro do país?
Certo é que, depois de conquistar o tão almejado cargo de deputado, Gonçalo abandona o seu trabalho, e parte para África de onde retornará, anos mais tarde, um homem diferente, e economicamente estável.