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Marta O meu canto

Guardamos tanta coisa só para nós - opiniões, sentimentos, ideias, estados de espírito, reflexões, que ficam arrumados numa gaveta fechada... Abri essas gavetas, e o resultado é este blog!

Marta O meu canto

Guardamos tanta coisa só para nós - opiniões, sentimentos, ideias, estados de espírito, reflexões, que ficam arrumados numa gaveta fechada... Abri essas gavetas, e o resultado é este blog!

"Amandla", na Netflix

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"Amandla", palavra que nas línguas Nguni (angunes) significa "poder", era um grito de guerra e de luta contra a opressão e a segregação racial, também conhecida como apartheid.

A história deste filme começa, precisamente, no Dia da Reconciliação, feriado da África do Sul, em que se celebra o fim da segregação racial e a promoção da reconciliação e a unidade nacional.  

 

É também o dia do aniversário de Impi.

Impi é um rapaz de 11 anos, que vive com os pais e o irmão mais novo, Nkosana, na propriedade dos patrões dos pais. Impi e a sua família são negros. Os patrões, brancos.

Neste dia, a mãe de Impi aconselha os seus filhos a manterem-se longe da "casa grande", onde os patrões darão uma festa e receberão convidados, para celebrar o feriado.

E estes, assim fazem.

 

Ainda assim, os irmãos são abordados por 3 homens brancos, obviamente racistas, que lhes atiram bosta à cara e ao corpo, até que a filha dos patrões intervém, e os faz parar e sair dali para fora.

Elizabeth, uma miúda que pretende, quando for adulta, lutar pelos direitos humanos, é a melhor amiga de Impi e Nkosana. E, nesse dia, acaba por beijar Impi, momento que é observado pelos tais homens, e que lhes atiça ainda mais o ódio pelos pretos, e a revolta pela farsa que o Dia da Reconciliação simboliza. 

 

Este é o ponto de partida.

Como vingança, estes homens matam os pais de Impi e Nkosana, obrigando-os a fugir a meio da noite, sem destino.

No entanto, não diria que este é um filme sobre racismo, mas antes sobre dilemas morais.

Sobre decisões que, em determinadas circunstâncias, as pessoas são levadas a tomar. E que podem transformar completamente uma pessoa.

Impi é o mais velho. Aparentemente, o mais sensato. Aquele que deve tomar conta do irmão. Faz o melhor que pode, com o pouco ou nada que têm, mas nem assim conseguem o que quer que seja.

Nkosana tem dificuldade em perceber as intenções do irmão, e o porquê de estarem naquela situação. Ele está cansado. Tem fome. O irmão prometeu, ainda que em jeito de brincadeira e incentivo, uma boa refeição só que, ao cair da noite, não existe.

E Impi, faz aquilo que o coração lhe mandou - roubou duas garrafas de leite que estavam à porta de uma casa, por onde passavam...

 

Agora, ambos são adultos.

Confesso que, apesar das evidências, inicialmente, troquei os irmãos. Só depois percebi.

Impi é, agora, um ladrão, também conhecido como "o fantasma".

Nkosana, está a formar-se para ser polícia.

Logo aqui, temos um antagonismo.

Para o irmão poder estudar, e ter uma profissão decente, para trazer comida para casa, para terem uma casa, Impi teve que arranjar dinheiro da única forma que soube fazê-lo, embora mentindo ao irmão, afirmando que trabalhava nas minas.

Aparentemente, Nkosana acreditou, e aceitou tudo o que Impi lhe deu.

 

Num dos últimos momentos entre irmãos, ambos são confrontados com essas decisões, acções, reacções, ou falta delas.

Sobre aquilo que sabiam, mas fingiram não ver, aceitando, e usufruindo.

Sobre aquilo que poderiam ter feito de diferente. Sobre escolhas.

Há uma responsabilização e culpabilização mútua e, no entanto, será que algum deles teve culpa?

 

Tenho ouvido muitas vezes que "não se deve fazer pactos com o Diabo" e "não se deve fazer negócios com a Morte". Nunca dá bom resultado. E isso ficou bem latente neste filme.

Numa região onde, mais do que o racismo, existem guerrilhas dentro da própria raça, a sede de poder, e uma constante vigilância e rede de informantes, Impi acabou por se colocar na "boca do lobo".

E, uma vez lá dentro, não há volta a dar.

Impi acaba por ser suspeito de violação de uma estudante, nada mais, nada menos, que a sua amiga de infância, Elizabeth, que sempre o ajudou e defendeu.

Nkosana, sabendo disso, tenta ajudar o irmão a fugir, juntamente com a mulher e a filha, começando uma nova vida longe dali, mas sem conseguir desculpar Impi pelas atrocidades que cometeu, condenando-o pela vida que escolheu.

 

A questão é: escolheu?

Teve hipótese de escolha? 

Escolheu o caminho mais fácil? Ou o único possível?

E agora, terá ainda uma oportunidade para fazer diferente? Para se redimir?

Para viver a vida que sonhava quando era apenas uma criança?

 

Que destino estará reservado a Impi, a Nkosana e a Elisabeth, quando todos os seus sonhos lhes foram, abruptamente, roubados e atirados ao lixo?

"Se Os Gatos Desaparecessem do Mundo", de Genki Kawamura

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Depois de ler este livro, devo confessar que um outro, que tinha na minha lista de desejos para comprar, sobre gatos, foi de lá retirado a alta velocidade.

Chega de decepções!

 

O anterior, "Memórias de Um Gato Viajante", já não me tinha enchido as medidas mas, supostamente, este era melhor, e mais emotivo.

Não foi!

Foi uma seca.

Uma história básica que pouco tem a ver com gatos. Que pouco tem a ver com o sentido da vida. 

É uma reflexão fraquinha sobre aquilo de que realmente precisamos, e o que não nos faz falta. Sobre o que os outros precisam, ou não. Sobre a nossa importância neste imenso mundo, e as consequências dos nossos actos.

 

É dito ao longo da história que, para alguém ganhar, outro alguém tem que perder. E que, para nós ganharmos algo, temos que perder algo.

Pois eu diria que, para ganhar este livro, alguém perdeu dinheiro.

E, para o ler, perdi o meu tempo.

Mas ganhei a noção de que não me posso voltar a deixar enganar por este tipo de histórias!

 

A sério?!

Um gato que, às tantas, fala linguagem humana de há séculos atrás?!

Um Diabo que não sei se veste Prada, mas usa roupas extravagantes, tem sentido de humor e faz acordos com Deus?!

Uma ex-namorada que ainda guarda uma carta da falecida mãe do ex-namorado, para um dia lhe entregar, quando, e se, ele a procurasse?!

Enfim...

Só posso dizer: não percam o vosso tempo!

 

 

SINOPSE
 

"Tão belo quanto comovente, este é um romance sobre a perda e sobre o quão importante é estarmos próximos e presentes na vida de quem amamos. Em pleno século XXI, o que importa realmente na vida?
Os dias do jovem carteiro estão contados. Afastado da família, vive sozinho e tem por companhia o seu gato Repolho. Nada o preparou para a notícia que acaba de receber: o médico diz-lhe que tem apenas alguns meses de vida. Mesmo antes de começar a escrever a lista de coisas que tem de fazer antes de morrer, o Diabo aparece para lhe propor um trato: se ele fizer desaparecer apenas uma coisa do mundo, ganha um dia de vida. Assim começa uma estranhíssima semana…
Pensemos: como podemos escolher o que conta realmente na nossa vida?
Como separamos as coisas sem as quais viveríamos daquelas de que mais gostamos?
Perante a oferta do Diabo, o protagonista desta história e o seu adorado gato são levados até aos limites da escolha, da aceitação e da reconciliação.
Um romance-fábula sobre um homem e a sua luta para descobrir o que realmente importa na vida."

Colegas de turma que vão e vêm

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A minha filha tem uma pontaria para ficar em turmas de estranhos que é impressionante.

No derradeiro ano do ensino obrigatório, ela fez as suas próprias escolhas, sem se deixar influenciar por ninguém, nem mesmo pelas amigas que, eventualmente, pudessem ter outras opções de disciplinas em mente.

 

Resultado: à excepção de uma amiga que vem desde o 10º ano, assim à primeira vista, todos os restantes colegas são estranhos, ou pessoas com quem não tem ligação.

 

Depois, um olhar mais atento leva-nos a perceber que uma ou duas colegas já foram, em tempos, da turma dela, uma até ao 6º ano, e a outra no 9º ano. 

É curioso como escolhas diferentes, noutros anos, as separaram e, agora, escolhas iguais, as voltaram a juntar. Ainda que sejam daquelas com quem pouco convivia.

 

Já no 10º ano não conhecia ninguém.

Agora, tem apenas, para já, uma amiga por companheira.

Todas as outras ficaram distribuídas pelas restantes turmas do mesmo curso.

Mas há que ver o lado positivo.

Foi de entre algumas dessas estranhas que saíram as amizades de hoje.

Por isso, quem sabe este não é mais um ano para isso acontecer!

 

 

Escolhas

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Escolhas…

As escolhas fazem parte da vida.

 

Muitas vezes, é-nos dado esse poder. E que bom é ter a liberdade de fazê-las.

Ainda que nem sempre, de forma consciente, pensada, estudada, acertada.

Ainda que, por vezes, de forma impulsiva, apressada, inesperada.

São as nossas escolhas, o rumo que traçamos para seguir.

Somos os únicos responsáveis por elas.

Escolher implica opções, alternativas, hipóteses, oportunidades. 

Significa que, querendo, podemos sempre tentar mudar de direcção. Fazer novas escolhas.

 

Outras vezes, alguém as toma por nós.

Seja porque nos deixamos levar. Seja porque deixamos que o façam. Seja porque não queremos, ou não podemos, escolher.

Por vezes, essa hipótese de escolha surge como um "presente envenenado", que não queremos aceitar, mas que outros não se importam de receber.

Ainda assim, a qualquer momento, podemos pegar na rédea que entregámos a outras mãos, e passar a comandá-la nós mesmos.

 

E outras vezes, não há qualquer hipótese de escolha...

Se...

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Se soubéssemos como tudo poderia mudar em dois meses, talvez tivéssemos estado mais atentos. Ou talvez não...

Se desconfiássemos que o cenário era pior do que parecia, talvez não tivéssemos desvalorizado tanto. Ou talvez não...

Se a minha mãe fosse pessoa de se queixar, ao invés de guardar e calar, talvez as coisas pudessem ter sido diferentes. Ou talvez não...

Se ela fosse pessoa de ir regularmente ao médico, talvez se pudesse ter previsto, ou prevenido, a situação. Ou talvez não...

Se soubéssemos que ela não comia pouco por mera falta de apetite, mas por algo mais, talvez tivéssemos agido mais cedo. Ou talvez não...

Se tivéssemos percebido que não lhe custava a falar por simples falta de um dente ou outro, mas por outra situação mais grave, talvez tivéssemos ganhado tempo. Ou talvez não...

Se não tivéssemos sido tão ingénuos, ao acreditar que as coisas eram menos graves do que são, talvez não estivéssemos agora tão desesperançados. Ou talvez não...

Se ela não se recusasse terminantemente a ir ao hospital e ficar internada, talvez não estivéssemos neste dilema. Ou talvez não...

Quem sabe, se ela fosse, houvesse um hipótese de ser tratada, e reverter a situação. Ou talvez não...

Se...

Se...

Se...

 

A vida é feita de "se's". E não nos podemos agarrar a eles, como argumento, ou como desculpa.

As coisas são como têm de ser. E nem sempre está nas nossas mãos evitar o pior, ou conseguir o melhor.

Há situações em que não existem decisões melhores, ou piores.

Não existem respostas certas, nem erradas. O que será bom, ou o que será mau.

Existem opiniões diferentes, maneiras de estar diferentes, mas que têm em comum um mesmo fim: querer o melhor para os nossos. Ainda que esse "melhor" chegue de perspectivas diferentes.

As pessoas podem dizer muita coisa, aconselhar, dizer que, no mesmo lugar, fariam isto ou aquilo. 

E, ainda assim, nada disso importa, quando a pessoa mais interessada em ficar bem, está consciente, e capaz de tomar a sua própria decisão. Que vai no sentido contrário.

 

Há cerca de dois meses, a minha mãe ainda estava activa, mais ou menos bem, para a idade.

Depois, algo aconteceu. Algo de que não nos apercebemos.

O médico suspeita que tenha sido um AVC. Mas não pode afirmar com certeza.

Desde então, ela começou com dificuldade em falar. Mas ainda se mexia bem.

Desde então, ela começou a comer cada vez menos. Mas dizia sempre que só comia o que tinha vontade.

E nós deixámos andar. Não vimos. Às vezes, só vemos o que queremos ver, ainda que inconscientemente.

 

O meu pai queixava-se. 

Mas dizia que não valia a pena marcar consulta, que ela não ia.

E as coisas foram agravando.

Na passada semana, estive de férias.

Levei-a ao médico. Consulta de urgência, porque se estivesse à espera da médica dela, só para Outubro.

O médico queria mandá-la para Santa Maria. Ela recusou.

Lá passou umas análises para fazer, e uns suplementos de dieta hipercalórica, para ajudar.

No dia seguinte, foi fazer as análises. Quase não lhe conseguiram tirar sangue.

 

Está completamente desidratada, e desnutrida.

Precisa de ajuda para subir e descer degraus. Para andar. Para sentar e levantar. Para fazer a higiene. Não consegue comer grande coisa.

Quinta-feira, consulta particular de medicina geral. Para tentar alternativas, soluções que não fossem contra a vontade dela.

Internamento em casa, só depois de passar pelo hospital, de ficar lá uns dias e de se averiguar o que tem, e qual o melhor tratamento a seguir. Ela recusa. Sem esse primeiro passo, não há mais nenhum.

O médico aconselhou a comer papas Cerelac. Uma espécie de "engorda", para ver se não emagrece ainda mais, ainda que já só tenha 29 kilos.

Mas avisou logo: ou ela vai para um hospital, ou "está para breve".

 

Ela não quer ir para um hospital.

Quer estar em casa.

Ouviu dois médicos, e nenhum a fez mudar de opinião.

Tentei perceber os receios dela. Se estava a desistir de viver. Se achava que já não tinha hipóteses, e preferia estar junto da família. Se o problema era ver-se lá sozinha, e deixar-se ir psicologicamente. Não fala. Não quer ouvir falar.

Explicámos-lhe que em casa pode não conseguir recuperar. Pode acontecer alguma coisa. Pode piorar de dia para dia. Pode mesmo ter que ir parar a um hospital, e depois ser tarde demais. 

Mantém a decisão. E diz para sossegarmos.

Irrita-se com a conversa.

 

Mas, se não tocarmos no assunto, fala de outras coisas. Até se ri.

Vê televisão.

Ainda põe as gotas nos olhos para controlo da tensão ocular.

Vai andando, lá por casa. Embora não saibamos como se aguenta em pé.

 

E nós, respeitando a sua decisão, estamos à espera, não do "se", mas de quando acontecerá o que não queremos. Porque o mais certo é acabar por acontecer.

E quem nos garante que, indo para um hospital, não seria igual?

Pois...

 

Por isso, apesar de tudo, não descurem a saúde. 

Não menosprezem ou desvalorizem os mínimos sinais. Por mais inocentes ou inofensivos que possam parecer.

Quanto mais cedo se conseguir detectar e agir, mais se poderá evitar.

Fiquem atentos a quem não se queixa. A quem esconde a dor. A quem tende a disfarçar as situações.

Porque são essas as pessoas que, muitas vezes, exigem uma maior preocupação.

 

Esqueçam os "se's".

Esqueçam as "chantagens emocionais".

Ponham-se no lugar da pessoa.

Tentem perceber o que vai na mente dela.

Oiçam o vosso coração.

E façam o que acham melhor. Ainda que se venha a constatar que não o foi.

 

Não é fácil vermos alguém que nos criou, que esteve sempre ali para nós, nesta situação.

Uma pessoa que, há uns anos atrás, cuidava da neta. Do marido. Ajudava os filhos como podia.

Pela primeira vez, em 42 anos que tenho, vi o meu pai ir abaixo, e chorar. De tristeza. De impotência.

Ele, que tanto dizia que a minha mãe tinha que estar preparada, para quando ele partisse, arrisca-se, agora a vê-la partir primeiro.

Encaramos cada dia como se fosse, literalmente, o último. Porque um dia poderá ser mesmo.

Mas, até lá, está com a família, na sua casa, no seu ambiente, com os seus programas de televisão, a fazer um esforço para comer o pouco que passa, como decidiu...