Tenho andado a reler "Os Maias", mas é como se estivesse a ler a primeira vez. Já não me lembrava de nada.
E é curioso ver como, apesar de tantos anos passados, a sociedade actual não é assim tão diferente daquela que é retratada no romance de Eça de Queirós.
Ainda assim, para quem critica as gerações de agora, as do século XIX não eram muito melhores e, nesse aspecto, conseguimos descobrir diferenças, para melhor.
Um dos aspectos que me saltou logo à vista (não sei se foi só na edição que li), é o uso constante de estrangeirismos, como "bric-à-brac", "dog-cart", "fumoir", "soirées", "robe de chambre", "shake-hands", "abat-jour", "chic", "grog", "highlife", "chut", "break" e tantos outros.
Confesso que tive que ir procurar o significado de algumas dessas palavras usadas, porque não fazia a mínima ideia do que eram.
E ainda dizem que, hoje em dia, com a adopção de tantos estrangeirismos, já quase não sabemos falar português!
Na segunda metade do século XIX, época em que se passa a história, nem a nobreza, nem a burguesia, tinham muito interesse em fazer algo que fosse pelo país. Falavam, descontentes, do que havia de ser mudado, de revoluções, mas a única revolução que se atreviam a fazer era gastar dinheiro em futilidades, para depois ostentá-las, para reforçar o seu estatuto, quer fosse a remodelar uma divisão da casa, ou a comprar uma vestimenta nova. A maioria, deixava-se levar pela corrupção, pela mesquinhez. Davam pouco valor à cultura.
A juventude representava a esperança, a mudança, o futuro.
Mas o meio envolvente foi mais forte que todos os planos, projectos, intenções.
Carlos da Maia formou-se em medicina. Montou um consultório e um laboratório. Queria escrever artigos para revistas, e um livro sobre medicina. Consultou meia dúzia de pessoas, até se deixar levar pela ociosidade.
João da Ega formou-se em direito, mas nem sei se chegou alguma vez a exercer.
O passatempo preferido destas pessoas era andar atrás de mulheres, comer e beber, passear, divertir-se em noitadas, jogos de cartas, enfim... Houvesse dinheiro, e tudo o resto se esquecia. Era uma vida caracterizada pela boémia.
Nesse aspecto, sinto a juventude de hoje mais lutadora, mais empenhada nas suas causas, mais ansiosa de vencer na vida. Ou talvez seja porque a maioria já não tem tudo dado de bandeja, e tem que conquistar o seu dinheiro, o seu prestígio, o seu nome.
E as mulheres?
Já nessa altura elas traíam os maridos!
Muitas delas tinham amantes, normalmente, mais jovens, das mesmas classes sociais, e muitas vezes amigos dos maridos.
Provavelmente, naquele tempo, as traições deviam-se ao facto de precisarem de aventura nas suas vidas, dado o papel reduzido que tinham enquanto mulheres e esposas, cuidadoras do lar, dos filhos e dos maridos, e por falta de amor aos maridos, arranjados em casamentos por conveniência ou impostos, com homens com idade para serem seus pais.
Mas, se antes tudo era feito de forma clandestina, para que não viesse a público, e manchassem a sua honra, hoje é feito às claras, sem quaisquer consequências e, por isso, mais falado.
Falar d'"Os Maias" é falar do romance entre Carlos da Maia e a sua irmã Maria Eduarda.
Um romance condenado, que afastou para sempre estes dois amantes.
Curiosamente, foi um romance que não me convenceu. Achei mais bonita a relação de Carlos com a filha de Maria, do que com a própria.
Acredito que Maria Eduarda amasse, realmente, Carlos. Já ele, pareceu-me mais um capricho do momento, uma paixão que, com o tempo, tenderia a acabar, e levá-lo-ia a traí-la, com outras.
E se Maria parece ter refeito a sua vida, resignando-se ao possível, dadas as circunstâncias, fica a dúvida se Carlos voltará um homem diferente, disposto a, finalmente, dar algum sentido e utilidade à sua vida, ou se permanecerá perdido numa vida boémia, juntamente com o seu amigo João da Ega, e os seus pares.