Longe vão os tempos em que nadava e boiava, livremente, à superfície.
E que, livremente, mergulhava.
Quando lhe apetecia. Ou quando, por algum motivo, precisava de ir ao fundo.
Mas logo voltava à superfície. Até porque a maré nunca estava muito alta.
Lá fora, divertia-se com tudo o que via. Com todos os seres que consigo conviviam, e partilhavam o espaço.
Depois, um dia, começou a ter que ir mais vezes ao fundo.
Não por sua vontade, mas por necessidade. Havia responsabilidades. Obrigações, que era necessário cumprir, e que dependiam de si.
E o mar, inesperamente, encheu-se de mais água, vinda não se sabe bem de onde.
A cada dia que passava, água e mais água.
As vindas à superfície foram diminuindo, até que deixaram de acontecer.
Agora, a vida era passada de forma submersa.
E, bem vistas as coisas, talvez o hábito e a resiliência sejam tão grandes que se tornou mais fácil viver assim.
Sabe-se lá como, e se, ainda conseguiria ir à superfície, e sentir-se da mesma forma que antes. Divertir-se, da mesma forma que antes.
Quando já nada é como antes.
Quando, ao fim de tanto tempo, se movimenta e orienta melhor lá em baixo.
Até poderia tentar.
Mas a sensação é a de que, à semelhança de quem está soterrado e tenta escavar para sair do buraco, mas só lhe cai mais e mais areia em cima, soterrando ainda mais, sempre que pensa sequer em experimentar vir à tona, mais o mar se enche, mais água lhe cai em cima, mais difícil se torna, e menos vontade tem.
Além disso, há amarras a prender.
Como quem vai criando raízes, por estar muito tempo no mesmo sítio.
Como quem fica enredado na teia e, mesmo quando parece que está a soltar-se, há sempre um fio que impede. Ou que só solta, se tiver outro alguém a quem possa agarrar temporariamente.
E há todo um mundo que depende de si. Há todo um peso nas suas costas que, para que possa tentar sair dali, ainda que por instantes, alguém tem que estar disposto a carregar ou, pelo menos, partilhar.
Também isso não é fácil.
Porque há sempre quem desafie, quem chame para a superfície, mas poucos são os que querem aceitar a contrapartida.
E é por isso que, até lá, continuará a ser uma vida submersa...