Das coisas menos boas que ultrapassamos, mas que deixam marca...
No outro dia, dizia-me o meu marido, que ainda lhe custava aceitar a morte da minha mãe, e perguntava-me se eu também me sentia assim.
Penso que, a partir de uma determinada idade, comecei a ultrapassar melhor as coisas menos boas.
A passar à frente.
A não andar a remoer as feridas.
A perdoar.
A aceitar o que não pode ser mudado, e para o qual não há volta a dar.
Por isso, sim, aceitei a morte da minha mãe.
Não penso nos "se's".
Não há culpas para apontar.
Era inevitável, dada a doença dela e, se assim se pode dizer, "ainda bem que não esteve cá muito tempo a sofrer".
Agora, o que é, igualmente, inevitável, é a marca que a perda dela deixou em mim.
Segui em frente.
Não ando por aí a chorar pelos cantos.
Não entrei em depressão, em negação, em luto permanente.
Não me tornei uma pessoa revoltada, amarga ou inconformada.
Continuo a viver a minha vida.
Brinco. Rio.
Superficialmente, sou a mesma pessoa de antes.
Mas, quando se vai mais fundo, nota-se que, algures, uma pequenina parte de mim se desligou. Escureceu. Morreu, também...
É apenas um pequeno pedacinho.
Como uma peça que não afecta, em nada, o funcionamento geral do equipamento, porque não depende apenas dela.
Mas nota-se que esse pedacinho de mim que, felizmente, é apenas isso porque ainda não tive grandes perdas que, em alguns momentos, fica mais visível.
Como uma nuvem que anda por aí a passear pelo céu e, só quando passa pelo sol, e o tapa, se dá por ela.
Desde que a minha mãe morreu, em determinadas ocasiões, não sempre, e nem sempre por algum motivo específico, dou por mim mais cabisbaixa.
Noto que tenho mais dificuldade em sorrir. Em sentir ânimo. Noto que, algumas vezes, estou em esforço.
Não que esteja propriamente triste.
Mas estou ali como que num plano intermédio, de onde saio, e volto a entrar, quase sem me aperceber.
Não é por se apagar uma luz, entre tantas que permanecem acesas, que se fica na escuridão.
Mas, de vez em quando, há ali uma sombra que paira...