Faz hoje nove anos que morreu a “Fofinha” - a minha gatinha!
Foi lá para casa pequerrucha, com apenas dois meses, e desde então muitas foram as aventuras que vivemos.
Desde pequena que se habituou a dormir comigo – o meu pai tirava-a de lá, e ela voltava!
Costumo dizer que, em termos de personalidade, era muito parecida comigo, meiguinha quando queria, e para quem queria, mas também “brava e feroz”, como me chamou a minha filha no outro dia!
O que ela mais adorava era estar ao meu colo, brincar com os meus cabelos e ocupar o meu lugar na cama quando eu me levantava para ir para a escola! Parecia uma autêntica criança, com a cabeça na almofada e toda tapada. Pelo menos podia estar à vontade, porque durante a noite, enroscava-se nas minhas pernas e, se eu por acaso a incomodasse, arranhava-me e ia embora, mas dali a pouco lá estava ela outra vez!
Dar-lhe banho, cabia ao meu pai, equipado a rigor e com luvas, porque ela detestava a água, e era uma autêntica guerra! Assim que terminava, era vê-la sair disparada com os pelos em pé, e lavar-se ela própria à sua vontade!
As vacinas eram outro martírio – até o próprio veterinário tinha medo de segurá-la!
Esteve comigo desde os meus nove anos, e eu adorava aquela gatinha selvagem, mas que trouxe alegria a todos lá em casa.
Até que um dia ela ficou doente, e no estado em que estava não havia nada que se pudesse fazer por ela.
A cada dia ela piorava, notava-se que já não era a mesma, estava debilitada, só se sentia bem deitada e, muitas vezes, nem assim. Era evidente que sofria, tinha dores, e nós apenas podíamos assistir, impotentes.
Foi nessa altura que o meu pai sugeriu que talvez o melhor fosse abatê-la, para lhe evitar mais sofrimento.
E eu, claro, fiquei revoltada com tal absurdo (porque para mim o era). Como é que o meu pai podia pensar em tal coisa? Em matar a minha gata que há tantos anos estava connosco? Será que ele não gostava dela tanto quanto eu? Será que não se sentia mal só de pensar em cometer tal crime?
Por muito que o meu pai me explicasse que era o melhor para a Fofinha, que ia acabar de vez com o sofrimento dela, que a morte era certa e não havia mais nada que pudéssemos fazer, e por isso mesmo mais valia antecipar-lhe o destino, eu simplesmente não conseguia compreender.
Infelizmente por um lado, mas felizmente por outro, uns dias mais tarde ela acabou mesmo por falecer. E acreditem ou não, foi um peso que me saiu de cima – o peso de ter que tomar aquela decisão que o meu pai esperava!
Sim, era apenas um animal. Mas para mim, seja qual for o ser vivo, racional ou irracional, não há distinção.
É um assunto bastante delicado e polémico, em que há vozes a favor e contra, em que há argumentos de peso para ambos os pratos da balança.
Não me cabe a mim julgar quem pende para um lado ou para o outro – só quem vive e passa por esse tipo de situações sabe o que sente e aquilo que a sua consciência lhe diz. Tenho a certeza que, qualquer que seja a decisão tomada, será sempre difícil. E mexe com muitos valores éticos e morais.
No caso da minha gata, talvez se ela falasse, fosse tudo muito mais simples. Poderia dizer-nos o que ela própria desejava.
É o que acontece com a eutanásia – em que o paciente pede voluntariamente para morrer. Mas, mesmo sendo aplicada só a pedido dos pacientes, há sempre aqueles que não têm capacidade para decidir, como crianças ou pessoas mentalmente incapazes. E nesses casos, quem decide por eles?
Em Portugal, esta prática, pela qual se abrevia a vida de um doente crónico e incurável, num estado de imenso sofrimento físico e psíquico, de forma controlada e assistida por um especialista, facultando uma morte sem sofrimento, é ilegal.
Pelo contrário, na Holanda, há já alguns anos que o parlamento aprovou a lei, e esta entrou em vigor.
Aí, parece que os médicos obedecem a regras rigorosas, e os processos são fiscalizados por comissões, compostas por um médico, um jurista e um especialista em ética, sendo que a eutanásia só pode ser realizada pelo médico que acompanhe de perto o estado de saúde do doente em questão, e sempre depois de ouvida uma segunda opinião de outro médico. No caso de menores, o consentimento é dado pelos pais. E para aqueles que não tenham expresso essa vontade, por escrito, quando chega o momento da verdade, quem decide por eles?
Continuo a preferir acreditar que os avanços da medicina vão permitir a todos aqueles que algum dia se encontrem nestas circunstâncias, viverem sem grande sofrimento até que a morte natural aconteça.
Mas se isso não for possível, espero nunca ter que vir a tomar essa assustadora decisão, entre a vida e a morte…