"NYAD", na Netflix
"Só quero dizer três coisas.
Primeira, nunca desistam.
Segunda, nunca é tarde para ir atrás dos sonhos.
E a terceira,
... parece um desporto solitário, mas é preciso uma equipa."
O filme, baseado na história real da nadadora Diana Nyad, mostra como esta decide, aos 60 anos, cumprir o seu desejo de ser a primeira nadadora a fazer a travessia de Cuba a Flórida, a nado, em mar aberto.
Na verdade, ela já tinha tentado, aos 28 anos, mas sem sucesso.
Agora, tentando provar a todos, e a ela mesma, que a idade é apenas um número, e que ainda tem muito para dar, ela quer voltar a tentar esta ultramaratona de mais de 160 km.
Acredita estar melhor preparada agora. Acredita que é capaz. Que consegue.
E é assim que Diana "arrasta" consigo, para esta aventura, a sua amiga Bonnie, e toda uma equipa que, pondo de lado o seu trabalho habitual, se concentra neste desafio.
Durante quatro anos, quatro tentativas falhadas.
Quatro anos de vidas em suspenso.
Mas Diana não desiste. Aquela travessia é o seu "calcanhar de Aquiles", e ela não vai parar até conseguir derrotá-lo. Nem que morra a tentar.
Ao ver o filme, consigo compreender o desejo de Diana.
Mas é uma personagem (ao que parece retrata a Diana real) que me irrita profundamente, pela sua obstinação, pela pouca capacidade de ouvir os outros, pelo facto de achar que sabe sempre mais que os outros, que é a melhor.
É uma pessoa, de certa forma, tóxica.
E egocêntrica: é tudo "eu", "eu", "eu". Sem pensar nos que estão à sua volta, nas repercussões que esta aventura tem na vida dos que a acompanham. Sem pensar nos sonhos e desejos da sua melhor amiga (que, segundo dizem, é sua esposa).
Ela sabe que erra.
Ela sabe o feitio que tem, e como é difícil lidar com ela.
Ela chora.
Ela pede desculpa, à sua maneira.
Mas não consegue deixar de se sobrevalorizar, sobrestimar, de se gabar daquilo que fez, por vezes até com algum exagero.
O oposto de Bonnie, com quem uma pessoa simpatiza de imediato.
Quatro anos depois da sua primeira tentativa, Nyad, finalmente, consegue chegar à Flórida.
E é um momento emotivo, de superação, de vitória, de orgulho, de missão cumprida.
De compensação, por todo o esforço e dedicação.
O fim de tudo e, no fundo, o início de tanta coisa.
No entanto, Diana não entrou para o guiness.
A Associação Mundial de Nadadores em Mar Aberto recusa-se a validar o recorde não só por, supostamente, não ter aderido a todos os protocolos exigidos, como por uma parte do trajecto não ter sido filmada, precisamente, a parte em que se verifica uma aceleração atípica da nadadora que, suspeitam, possa ter sido ajudada.
Como a própria Diana afirma, estas ultramaratonas são um desporto solitário.
São horas e horas, dias e noites, dentro de água, a repetir os mesmos movimentos, sem parar.
Não é, propriamente, um passeio em que se aprecie a paisagem, nem um mergulho em que se maravilhe com o fundo do mar.
É um desporto extremamente exigente, a nível físico e mental, com direito a vómitos, alucinações, reacções alérgicas, mordidas de espécies marinhas, muitas vezes a ter que nadar contra a maré.
Não consigo imaginar o prazer que se tem neste desporto. Mas gostos e vocações não se discutem.
Mas são, ao mesmo tempo, um trabalho de equipa.
Uma equipa vasta, da qual destaco Bonnie e John.
Bonnie, que se transforma na treinadora de Diana, e companheira de aventura, no barco que a acompanha. É Bonnie que a motiva e incentiva, que a alimenta, que a chama à realidade, que alinha nas suas alucinações, que está sempre lá para ela.
E John, o navegador com uma vasta experiência que conhece bem aquelas águas, as correntes, os ventos, os remoinhos, e se dispõe a ajudar Diana no seu desafio.
Apesar de, em determinado momento, ambos terem seguido com as suas vidas, afastando-se de Diana, acabam por voltar, quando Diana tenta, pela quinta vez, levar a bom porto a sua travessia.
Bonnie, porque sentia falta da sua amiga, e queria estar ao lado dela, se fosse a última vez que a pudesse ver. E John, porque estava doente, e não queria morrer sem ver Diana vencer.
Na realidade, Bartlett morreu poucos meses depois de Diana conquistar a vitória, de insuficiência cardíaca, durante o sono, aos 66 anos.
Os créditos finais de Nyad confirmam que o filme foi dedicado à sua memória.
Apesar de a história se basear na tentativa de conseguir alcançar um recorde, como diz a directora do filme, o mesmo não é tanto sobre esse recorde, mas sim sobre o que o despoletou: uma mulher que percebe que a vida não acaba só porque se tem 60 anos, ainda que, para o mundo, a sua "existência" se torne invisível.
No entanto, e apesar de Diana, de facto, ter conseguido, nunca ter desistido, e ter ido atrás do seu sonho, considero que ela foi, em muitos momentos, inconsequente, inflexível, intransigente, teimosa ao extremo, e arriscou-se a perder os seus amigos, com as suas atitudes.
Até porque me parece que o desejo dela não era apenas o simples concretizar de um sonho antigo, de algo que tinha ficado a meio, e que ela tinha que acabar, para seguir em frente, mas também por motivos mais egoístas.
E, muitas vezes, não vale tudo.
Foi louvável a sua persistência mas, ao mesmo tempo, há que perceber o que é, realmente, importante. Saber aceitar as coisas, ainda que não corram como queríamos. Não ser tão exigente. Não se cobrar, e aos outros, tanto.
Levar a vida com mais leveza. Com menos recordes alcançados, mas mais saúde e alegria e, sobretudo, rodeada de bons amigos.