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Marta O meu canto

Guardamos tanta coisa só para nós - opiniões, sentimentos, ideias, estados de espírito, reflexões, que ficam arrumados numa gaveta fechada... Abri essas gavetas, e o resultado é este blog!

Marta O meu canto

Guardamos tanta coisa só para nós - opiniões, sentimentos, ideias, estados de espírito, reflexões, que ficam arrumados numa gaveta fechada... Abri essas gavetas, e o resultado é este blog!

Como se conserta o que já não tem conserto?

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O meu pai sempre teve problemas a nível de ossos, articulações e afins.

E, desde que o conheço, sempre foi "anti comprimidos".

Tudo o que fosse pomadas, gel, massagens, terapia do quente e receitas caseiras, era bem vindo.

Mas, comprimidos? 

A médica receitava, ele levantava a receita, e ficavam lá guardados. Ou iam para o lixo.

Quantas vezes a minha mãe reclamava que ele não era capaz de tomar um comprimido, e que era porque não tinha muitas dores.

 

Até que, um dia, as dores se tornaram tão insuportáveis que o meu pai se rendeu aos mesmos.

Anti-inflamatórios.

Para ser sincera, não me lembro de ele ter tomado assim tantos, mas...

 

Está a fazer um ano que o meu pai foi diagnosticado com insuficiência renal e insuficiência cardíaca, diagnóstico esse provocado, sem certeza, mas com grande probabilidade, precisamente, pela toma massiva de anti-inflamatórios.

A partir desse momento, passou a ter uma parafernália de comprimidos para tomar, para controlar esses dois problemas, e até tinha andado bem.

Até que, com a introdução de um novo - anticoagulante - começou a ter derrames oculares. 

O médico aconselhou a parar por uns dias e, coincidência ou não, sofreu aquilo a que a médica de família apelidou de AIT - Ataque Isquémico Transitório, uma espécie de mini AVC, mas mais rápido, e sem grandes consequências.

 

Fora isso, até andava bem, e os ossos, hérnias e outros problemas estavam meio adormecidos.

Há umas semanas, acordaram, e o meu pai tomou uns comprimidos que a médica de família tinha receitado, e que não interferiam com o restante quadro.

O que é certo é que, mais uma vez, após 2 ou 3 dias, acordou com um derrame ocular e dor do olho.

Nesse mesmo dia, teve consulta no Santa Maria, e passou várias horas sentado.

No dia seguinte, estava cheio de dores ao fundo das costas, nem se conseguia mexer.

 

Fomos ao médico.

Ao início suspeitavam de cólica renal, mas depois alteraram para algo a nível muscular.

Com o diagnóstico que o meu pai tem, não há muita coisa que ele possa tomar, em termos de alívio das dores.

Receitaram-lhe um relaxante muscular.

 

Dois dias depois de começar a tomar, volta a ter aquilo que me pareceu um novo AIT.

E desistiu do relaxante muscular.

Até porque nem estava a fazer grande efeito.

 

Portanto, não pode tomar anti-inflamatórios, e isso inclui tudo o que seja gel para massagem, porque pode ser absorvido, e vai dar cabo do que ainda resta dos rins.

Rins que estão em contagem decrescente para a falência.

E tudo o resto que lhe receitam parece sempre provocar mais problemas, do que ajudar a resolver o que já tem.

 

Mas também não está a conseguir suportar as dores, que não passam, não aliviam e não lhe permitem fazer o mínimo que seja, de uma vida já por si limitada.

A médica de família foi vê-lo a casa, e mandou fazer uma TAC. Suspeita que seja alguma fractura, ou algo a nível ósseo.

A confirmar-se, vem a dúvida: como tratar isso?

Como se conserta algo que já não tem conserto?

E sem prejudicar o resto?

 

Isto quase parece uma "pescadinha de rabo na boca", em que andamos sempre às voltas com as mesmas questões, os mesmos problemas, e a mesma falta de soluções, que tratem uma coisa, sem prejudicar a outra.

Enquanto isso, é o meu pai que sofre, com as dores, com a ainda menor qualidade de vida que tem (quando até andava a fazer uma vidinha normal) e saturado de tudo.

E nós, que assistimos, estamos impotentes para o ajudar, porque se nem os médicos sabem como resolver, como podemos nós saber?

 

Sinais da idade

Vetores Desenhos animados casal idoso ativo: Desenho vetorial, imagens  vetoriais Desenhos animados casal idoso ativo| Depositphotos

 

"Todas as asneiras que fizermos em novos havemos, mais tarde, de pagar por elas."

 

E o meu pai que o diga!

 

Acho que, por mais anos que passem, temos tendência a ver os nossos pais sempre da mesma forma, como se esses anos não passassem por eles, ou passassem, mas eles continuassem iguais, sem se notar a passagem do tempo.

Sempre vi o meu pai como uma pessoa activa. Alguém que não consegue estar quieto ou parado muito tempo no mesmo sítio. Alguém que gostava de fazer longas caminhadas.

Mas o tempo, as asneiras, os vários acidentes que foi tendo desde novo, não perdoam.

E, hoje, aliadas a alguns problemas já existentes, condicionam-lhe os movimentos e a vida, provocam-lhe dores, dificultam-lhe as tarefas mais básicas e, ainda assim, volta e meia, lá insiste em fazer mais alguma "asneira" para a qual o seu corpo já não está preparado. 

Depois, os ossos, os músculos, os tendões, tudo se ressente.

E a memória começa a pregar partidas.

Afinal, são quase 80 anos.

 

E a minha mãe?

Mulher activa, também. Ultimamente, não tanto.

Fingimos não perceber, mas é um pisco a comer. 

Está magríssima, embora as calças disfarcem.

Mas levá-la ao médico? Só quase arrastada.

Diz que se sente bem. Que não precisa de fazer exames, nem ir ao médico.

As únicas consultas a que vai, são as de oftalmologia, em que é seguida por causa das cirurgias que fez à vista.

Não é mulher de se queixar, de mostrar dores, de fazer fitas. Guarda para ela.

Mas uma pessoa vai-se, aos poucos, apercebendo dos sinais da idade.

Um degrau que ela já tem dificuldade em subir ou descer sem ajuda. Algo que ela já demora a agarrar, não sei se por não ver bem, ou se por outro motivo.

Um dente ou outro que falta, e que lhe dificulta a fala.

Afinal, são 79 anos.

 

Que bom seria que os nossos pais estivessem sempre novos, apesar do tempo passar. 

Que tivessem sempre saúde, enquanto vivessem.

Mas se nem nós, muitas vezes, a temos, e andamos piores que eles, como podemos esperar que eles sejam mais valentes?

 

É assim a vida.

Sempre a dar sinais.

Sinais das parvoíces que achávamos que não iam ter consequências.

Sinais de que o nosso corpo não é de ferro.

Sinais de que o tempo não pára.

Sinais da idade, que avança a cada ano que passa, para todos nós, e para eles também.