Estava eu nas minhas "sete quintas", que é como quem diz, descansadinha da vida, quando aquela humana decide parar, e observar-nos.
A mim, e aos meus irmãos.
Ora pega num, ora pega noutro.
Mas quem é que ela pensa que é?!
Olha, agora! Está a olhar para mim...
Esperem. Está a pegar em mim. Está a pôr-me no cesto das compras.
Larga-me, humana malvada!
E vocês, aí parados, nada fazem? Não me ajudam? Não impedem este rapto em plena luz do dia?
Belos irmãos me saíram.
Agora estou mesmo fula.
Se essa humana pensa que pode fazer isso, e ainda espera que eu lhe dê alegrias, está muito enganada.
Vou amuar.
Não lhe vou dar conversa. Nem sequer vou olhar para ela.
Agora estou no quarto de outra humana.
Deu-me o nome de Toutou. La reina Toutou. Diz que agora sou irmã daquela outra que ali está.
Eu, uma rena, irmã de uma vaca!
Onde é que isto já se viu!
E que originalidade: àquela outra, chamaram-na de Moumou!
Para o que uma rena está guardada.
A culpa é do meu padrinho Nicolau.
Meteu na cabeça que nós, as renas mais novas, temos uma missão diferente a cumprir nesta época.
E ainda tem a lata de nos dizer que, se formos escolhidas, é porque somos especiais.
Olhem bem para mim!
Eu, especial?
Com estes olhos tortos? Com estas orelhas enormes, e estes pés defeituosos?
Pois... Enganem-me, que eu gosto.
Mas, dizia eu, o meu padrinho diz que a nossa presença na casa dos humanos lhes leva de volta um pouco da magia perdida do Natal.
Magia...
Magia vivemos nós na Lapónia.
Quando começa a azáfama das listas de presentes. Que, diga-se de passagem, são cada vez maiores, e mais exigentes.
Quando a fábrica abre portas, e as máquinas começam a trabalhar.
Quando a neve começa a cair.
Quando começamos a treinar para estarmos em forma, e dar a volta ao mundo, a puxar o trenó.
Ah, pois... Já me esquecia. Isso está reservado às renas-mor!
Estão mais para a idade da reforma, mas enfim.
Deviam era dar o lugar às novas gerações.
Mas o padrinho confia tanto nelas, que hão-de ter 80 anos, e ainda é vê-las andar por aí.
O Natal já não é o que era, é o que vos digo!
O mundo está louco. De pantanas.
E agora, inventaram isto de servirmos de enfeite durante a época. Para depois nos encafuarem num caixote qualquer.
Juntamente com os restantes.
Se isso é ser especial...
Mas olhem, aqui que ninguém nos ouve: até nem se está mal nesta casa.
Estou aqui sentadinha, sem me cansar.
O quarto é quentinho.
E até já travei amizade com duas felinas, que me disseram que os humanos são gente boa, que gostam de animais, e que as tratam como rainhas.
Nem tudo está perdido.
Mas, para todos os efeitos, ainda estou furibunda, e vou continuar a fazer cara feia.
E não se riam!
Porque isto é muito sério.
Mas, perguntam vocês: como é que é suposto as renas devolverem essa magia?
Pois não sei. Não faço ideia.
Não trago pozinhos mágicos no barrete.
E sou desastrada a fazer truques.
O único que consegui até agora foi cruzar as pernas!
Mas o padrinho diz que a verdadeira magia é a família estar junta, unida, e cuidarem uns dos outros.
Ainda que não haja árvore de Natal.
Ainda que não haja luzes.
Ainda que não haja presentes.
Ainda que não haja muito o que repartir.
Havendo amor, haverá magia.
E se uma simples rena, como eu, fizer parte dessa família, e desse amor, então a missão estará cumprida!
Desejem-me sorte!
(E, só entre nós, já não estou a fazer cara feia!)
Em resposta ao desafio
da Isabel
foi isto que me saiu, para fugir um pouco à lamechice e aquelas mensagens clichê,
mas com um toque e espírito natalício