"Sobreviventes", na Netflix
Não se trata, propriamente, de um grupo de pessoas a tentar sobreviver numa qualquer ilha, após um trágico acidente, no sentido em que estamos habituados a ver.
E, ainda assim, é precisamente sobre um grupo de pessoas e a forma como cada uma delas lidou, e tentou "sobreviver", após um trágico acidente, que causou a morte de três jovens.
Os "sobreviventes" são aquilo a que podemos chamar de "danos colaterais" ou "efeitos secundários" - levam com os "estilhaços" dos acontecimentos que não aconteceram, directamente, com eles mas são, igualmente (ou até mais) afectados.
Há 15 anos, Finn e Toby fizeram-se ao mar, para salvar Kieran, no meio de uma tempestade, e acabaram por morrer.
Toby deixou órfão um filho pequeno. Finn, deixou os pais sem metade deles.
Kieran sobreviveu.
Nesse mesmo dia, uma adolescente - Gabby - desapareceu.
A polícia entendeu, após a sua mochila dar à costa, que ela tinha sido lançada das rochas, pela tempestade, e morrido. O corpo nunca apareceu. E ninguém mais falou dela.
Agora, 15 anos depois, só se fala nos dois jovens exemplares que perderam a vida, e aos quais estão a preparar uma homenagem.
No entanto, Bronte, uma turista que está ali a passar uma temporada, decide investigar o que aconteceu a Gabby. Para além de analisar os pertences da filha de Trish, ela interroga os moradores, e vai tirando várias fotografias, e publicando vídeos sobre a sua intenção de descobrir o mistério.
Agora que a melhor amiga de Gabby - Mia, mulher de Kieran - está de volta, é a oportunidade de poder falar com ela também.
Só que, na manhã seguinte à chegada do casal, Bronte é encontrada morta na praia.
Acidente? Ou assassinato?
Estarão, os dois casos, separados por 15 anos, ligados por algum elo comum?
A verdade é que muitas pessoas, ali, escondem segredos. E estão dispostos a tudo para que continuem a sê-lo.
Até, matar. E deixar os outros levarem com a culpa. De novo...
Em termos de personagens, tenho de destacar três:
Verity - uma mulher amarga, rude, arrogante, prepotente que destila o seu veneno e magoa quem menos deveria mas que consegue, ao mesmo tempo, ser carinhosa, afectuosa e bondosa, com quem quer. O que a tornou assim? A vida!
É muito fácil julgá-la, condená-la porque ela consegue mesmo ser detestável. Até cruel para com o filho sobrevivente.
Mas a série mostra o que a tornou assim. Para além da morte do filho mais velho, pela qual culpa o filho mais novo, ela lida há anos com a demência do marido, que ama, e nunca abandonou.
Mesmo que ele, por vezes, sem intenção, seja mais agressivo com ela. Ou não a reconheça. Ou faça muitos disparates que, depois, ela tem de remediar.
E, ao mesmo tempo que culpa o filho mais novo pelo acidente, talvez pela dor com a qual não consegue lidar, de ter perdido um dos filhos, culpa-o, igualmente, por ter abandonado os pais, logo após o acidente, deixando-a entregue a tudo aquilo do qual ele fugiu.
Kieran - o filho sobrevivente de Verity, é "odiado" por quase todos em Evelyn Bay ou, pelo menos, por aqueles que foram afectados pelo acidente e pelas mortes. Muitos, tal como a própria mãe, o culpam pela tragédia.
Há 15 anos que ele carrega essa culpa, mesmo sem a ter.
Agora num relacionamento com Mia, e uma filha bebé, Kieran volta ao sítio do qual partiu há anos, e é-lhe difícil estar naquele ambiente hostil, em que a relação com a mãe está longe de melhorar, e com um pai muito diferente daquele que deixou, agora também acusado do assassinato de Bronte.
Brian - um homem que sempre foi activo, outrora nadador salvador, professor de educação física, membro do rotary club, é agora um homem afectado pela doença neurodegenerativa de que sofre.
À excepção de Verity, que sempre esteve ao lado dele, poucos são os que ainda lhe prestam alguma atenção ou tentam ajudá-lo a normalizar a sua vida.
O antigo Brian está lá, algures. De vez em quando, aparece. Mas a doença não dá tréguas.
E é ver a frustração de estar dependente, não conseguindo fazer uma coisa tão simples como vestir uma camisa.
É ver o alheamento da realidade, a confusão mental, um adulto a tornar-se uma criança indefesa.
É ver o medo. Medo de que tenha feito alguma coisa errada. Medo por não se conseguir lembrar. Ou por não se conseguir expressar.
Acusado do assassinato de Bronte, Brian é levado para a prisão, agravando ainda mais o seu estado.
Mas de alguma coisa serviram as aulas que deu, há muitos anos, aos jovens de Evelyn Bay.
Ao fazer um gesto, que todos interpretaram como sendo uma coisa, Kieran percebeu o que o pai estava a tentar dizer. E foi graças a isso que conseguiram, mais tarde, trazê-lo de volta a casa.
Deixo também um apontamento sobre Trish, mãe de Gabby que, ao contrário dos restantes, nunca conseguiu fazer o luto pela sua filha, por nunca se ter sabido, com certeza, o que lhe aconteceu.
E ela bem tentou perceber, fazer as autoridades investigarem mais, sem sucesso.
A determinado momento, ao ver que todos seguiam em frente, que a sua filha tinha sido esquecida, e que estava completamente sozinha, tentou matar-se.
Foi quando a sua outra filha, Olívia, voltou. E quando Bronte chegou, e lhe deu um novo alento.
Será desta que a verdade vem, finalmente, à tona?
Com apenas seis episódios, vale a pena ver!