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Marta O meu canto

Guardamos tanta coisa só para nós - opiniões, sentimentos, ideias, estados de espírito, reflexões, que ficam arrumados numa gaveta fechada... Abri essas gavetas, e o resultado é este blog!

Marta O meu canto

Guardamos tanta coisa só para nós - opiniões, sentimentos, ideias, estados de espírito, reflexões, que ficam arrumados numa gaveta fechada... Abri essas gavetas, e o resultado é este blog!

Mais uma vez, o hospital de Santa Maria

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O meu pai apanhou covid.

Ainda ficou por casa a ver se melhorava mas, dados os baixos níveis de oxigénio e fraqueza geral, teve que ir para o hospital.

Para o Santa Maria, porque é lá que está a ser acompanhado.

Chegou, e foi directamente para uma Sala de Tratamentos, também conhecida como "sala de aerossóis", onde ficam os doentes com problemas respiatórios (agora já ninguém fica isolado, nem vai para o covidário).

Chegámos às 10h. Disseram-me que na sala onde ele ia ficar, eu não podia estar. Tinha que aguardar no corredor de espera. Que a enfermeira já me daria a roupa dele e que a médica, se entendesse, falaria comigo. Até às 14h, ninguém veio falar comigo, nem entregar nada.

Fui pedir informações. A médica deu o recado à administrativa que só daria informações presencialmente, em horário de visita, ou seja, a partir das 16.30h.

Fui almoçar, e fazer tempo. Pouco passava das 16h, quando ouvi o nome dele ser chamado para RX. 15 minutos depois, nova chamada. Entretanto, bato à porta da dita sala, explico ao que vou, e pedem-me para esperar porque estavam a dar a volta aos doentes. Fico ali. Vejo o meu pai ser levado para o RX. Volta. E só depois me deixam entrar.

Queixava-se com frio. Pedi uma manta. Como ninguém se dignou vir falar comigo, fui ter com os médicos e perguntei. Responde a médica "ai eu agora não posso, que tenho aqui muita coisa para fazer, fale com o meu colega".

E pronto, lá falei com o médico, que me perguntou porque é que o meu pai estava ali.

Eu só pensei: "Meu Deus, o meu pai está aqui há 6 horas, fez um rx e só agora é que me perguntam o que tem?".

Portanto, só depois é que iam fazer Tac para confirmar as alterações aos pulmões, uma gasometria para verificar os níveis de oxigénio, e o teste de covid, para confirmar se estava mesmo infectado.

Tinha estado a soro, mas sem monitorização de oxigénio nem cardíaca. Ficou lá.

 

No dia seguinte, fui vê-lo de manhã. 

Confirmou-se a infecção por covid. Estava com alterações nos pulmões, mas relativamente estável. Desta vez, já monitorizado.

Não sabiam se teria alta ou não. Ficaram de avisar.

À tarde, ligam a dizer que tem alta. Expliquei que não poderia ir buscá-lo nesse dia, só no seguinte.

Uns minutos depois, ligam novamente a dizer que conseguem arranjar transporte para o levar para casa.

Referi que só estaria lá alguém a partir das 19.15h.

Depois, lembrei-me que ele não tinha roupa nenhuma, porque me deram tudo no dia anterior. "Ah e tal, vai com roupa do hospital". E por aqui se viu que estavam mesmo a querer despachar o doente.

Entretanto, ligo novamente a perguntar se me podiam enviar a receita do medicamento que ele teria que tomar, para eu levantar, porque não fazia sentido ir à farmácia às tantas da noite. Enviaram, mas com o nome errado.

 

Perto das 21 horas, ligam do hospital para saber até que horas eu poderia esperar, porque o transporte tinha sido requisitado às 19.15h (A sério?! Pedem o transporte à hora que eu disse que estaria em casa, em vez de pedir logo, sabendo que demorava?), e ainda não tinham previsão de saída.

Depois disto, mais 2 ou 3 telefonemas, a explicar o óbvio: não fazia sentido enviar um doente no estado dele para casa, com frio e chuva, com roupa de hospital.

E já passava das 2 da manhã.

"Ah e tal, há um doente à espera para entrar, precisamos da vaga."

"Ah e tal, não podemos cancelar o transporte, porque já foi facturado."

"Ah e tal, não sabemos dizer quando é que o transporte chega, porque a prioridade são as transferências intra-hospitalares e, só depois, os domicílios".

"Ah e tal, compreendo, mas não podemos fazer nada. Não há nenhum responsável com quem falar. Não há ninguém no serviço."

 

O meu marido, já passado, pediu para falar com quem quer que fosse, até lhe passarem para uma responsável de medicina que, depois de alguma resistência, entre uma espécie de ameaça do meu marido, e uma chantagenzinha psicológica da parte dela, lá concordou em cancelar o transporte, e irmos buscá-lo no dia seguinte de manhã.

 

Agora expliquem-me qual é a lógica: se precisavam da vaga, a ideia era ele sair de lá o quanto antes. No entanto, o que se viu foi que ele iria continuar lá, porque não aparecia o transporte. 

Portanto, pedem um transporte que ninguém da família quis, e ainda nos fazem passar a noite em branco - doente porque estava em stress para vir para casa, e família sem previsão de hora de chegada - para, no fim, o resultado ser o mesmo, e a vaga continuar preenchida, preferindo pôr a vida de uma pessoa em risco, a ser transportada em péssimas condições para casa, do que um doente que, apesar de precisar da vaga, não estaria desamparado dentro do hospital. 

 

E é isto que temos.

 

Mas, porque nem tudo é mau, há que dizer que, na sala onde o meu pai esteve, foi bem tratado. Estava resguardado da confusão dos corredores, sempre acompanhado de auxiliares/enfermeiros/médicos, uma vez que era uma espécie de sala de controlo, e ele diz que o pessoal foi impecável.

 

Agora, é ver se recupera em casa, e não volta lá tão depressa.

 

Por coincidência ou não, quando estávamos a caminho do hospital, na ambulância, recebo um email da Bertrand, de uma promoção para o dia do pai, com a mensagem "Pai, estás sempre comigo". Isto é que se chama sentido de oportunidade.

E ainda vimos um arco-íris. Seria um sinal de esperança?!

 

 

 

Santa Maria: parte II

(porque também é preciso falar do que é bem feito)

Como tinha referido no post anterior, tendo a minha mãe sido enviada para casa, tratámos de arranjar o apoio possível para que ela fosse acompanhada em casa.

Respirámos um pouco de alívio ao ver que as coisas se estavam a encaminhar.

Até que, na quinta-feira à noite, foi necessário chamar os bombeiros novamente, e voltar ao hospital.

Dados os baixos níveis de oxigénio, foi para a área de Covid, onde passou a noite.

Ao início não percebemos a lógica de a terem levado para ali. Ela não tinha covid.

 

Depois, surpreendentemente, agradecemos por a terem levado para lá.

A médica, ao contrário das colegas, não foi indiferente.

Fez análises, fez RX, fez electrocardiograma.

Fez duas TAC.

Ou seja, tudo aquilo que deveria ter sido feito da primeira vez, na urgência.

E ao final da tarde de 6ª feira, foi internada. Para se estudar a causa do problema dela, e tentar tratá-la. Iria fazer exames na próxima semana.

 

Ontem, ao final do dia, liguei para o serviço.

Falei com o enfermeiro.

Disse que ela estava a oxigénio, que estavam a aspirar as vias aéreas, e que estava a aguardar a colocação da sonda.

Tinha direito a visitas, o que foi um alívio saber.

Ficámos tranquilos porque, da forma como ela saiu daqui de casa, se continuasse cá, estava em constante sofrimento, não teria apoio profissional e imediato, e poderia acontecer o pior, enquanto ali, no hospital, tinha todos os meios e uma equipa médica.

Parecia estar tudo a encaminhar-se no bom sentido.

 

A forma como esta médica procedeu, ao requisitar todos os exames, e interná-la, foi a mais correcta e profissional que poderíamos pedir e esperar.

Não foi o suficiente. 

Talvez tenha sido tarde.

Talvez, se as colegas tivessem agido de forma diferente, o desfecho fosse o mesmo.

Mas pelo menos alguém se preocupou. 

Alguém viu uma pessoa que, mesmo não tendo salvação, merecia um último esforço.

 

E nós agradecemos por isso.

Porque também é preciso falar do que é bem feito.

E não se poderia exigir mais.

 

 

Rir para não chorar

(o pesadelo de uma urgência hospitalar)

Hospital Santa Maria (Centro Hospitalar de Lisboa Norte, EPE) | CM Odivelas

 

A manhã estava relativamente calma, para quem acabava de chegar, na sala dos "amarelos".

Algumas macas, algumas pessoas sentadas nas cadeiras, uma ou outra em cadeiras de rodas.

Utentes sozinhos. Outros, sobretudo os que estavam nas macas, acompanhados.

Os auxiliares mostravam-se prestativos, atenciosos.

Até o segurança ajudava.

Mas, à medida que as horas iam passando, o caos começava a instalar-se.

 

Eram chamados doentes, que sabiam que estavam a ser chamados, mas não tinham ninguém que os levasse, porque estavam nas macas.

Outros, nem sabiam, e ficavam por ali à espera que alguém se lembrasse deles.

Os auxiliares já pouco vinham cá fora tentar saber onde estavam os utentes chamados.

Tinham que ser os acompanhantes, ou os utentes que se podiam movimentar, a ajudar.

Cada vez havia mais pessoas. Cada vez o espaço ficava mais reduzido. Por cada maca que saía para o doente fazer exames ou ser visto, outras duas ocupavam o lugar.

Às tantas, já havia macas nos corredores, encostadas umas às outras, ou em qualquer buraquinho disponível, e até mesmo por baixo do ar condicionado, ou no meio das correntes de ar, como se não bastasse a doença que já tinham.

Sempre que passava outra, as que por ali estavam sujeitavam-se a levar um encontrão.

Havia doentes à espera de ser chamados para consulta há 24/ 48 horas. Alguns até se deitavam nas cadeiras. E outros que andavam por ali, entre exames e afins, há 2/3 dias, sem ir para casa, mas também sem saber se ficariam internados.

Havia pessoas cheias de dores, mas os auxiliares passavam por eles totalmente indiferentes.

Havia utentes a reclamar do tempo de espera, a desistir. Outros, já conformados, munidos de paciência, telemóveis carregados e algo com que se entreter.

E outros, já meio avariados do juízo, a passear pela sala e arredores descalços, com os sapatos na mão. A falar alto sobre doenças e mais doenças, como se alguém quisesse ouvir algo assim naquele momento. 

 

Tudo leva tempo. Tudo demora horas. Tudo é saturante, desgastante.

Os médicos demoram a chamar, apesar de estar tudo a rebentar pelas costuras.

Há congestionamentos de macas, utentes e cadeiras na área de gabinetes e tratamentos.

Não há qualquer distância de segurança. Nem sempre há álcool gel. Não há qualquer controlo ao covid. É tudo ao molho, e fé em Deus.

Isto é o dia a dia da urgência de um qualquer hospital central e, quem a ele recorre com frequência, já sabe como é. Mas, para quem não está habituado, é triste.

 

Na terça-feira, tive que ir à urgência do Santa Maria com a minha mãe.

Já nem da cama se conseguia levantar.

Não foi considerada uma situação de emergência, pelo que tivemos que chamar os bombeiros para a levar. Foram impecáveis, e até permitiram que eu a acompanhasse.

Chegámos por volta das 09.30h.

Foi vista pela médica perto das 11h.

Uma consulta que mais parecia uma anedota!

A médica estava mais preocupada com quem fazia as compras para os meus pais, e o que comiam, do que com o estado de saúde da minha mãe.

"Ah e tal, se ela não come muito é porque não tem fome. Não come porque não quer. Também na idade dela não precisa de comer muito."

"Não sei se a sua mãe preenche os requisitos para internamento. Ela é uma mulher saudável. Está melhor que eu."

Mandou fazer análises e soro. Tinha que ser eu a andar lá com a maca de um lado para o outro. Nunca a deixei. E depois, quando o meu irmão chegou, íamos trocando para não ficar sozinha.

Duas horas depois, nova análise ao sangue. E esperar.

Depois, tentativa de análise à urina. Beber água, que ela não conseguia. 

Teve que o meu irmão pedir mais soro, porque não tinham indicação para dar mais. Lá extraíram a urina por outros métodos.

Passava das 20h, quando a médica me chamou ao gabinete.

Queria fazer mais soro. E receitar antibiótico para infecção urinária. De resto, todas as análises estavam bem, portanto, não havia nada a fazer.

Então e não fazem outros exames?

Só se as análises apontassem para algo. Como está tudo bem, não fazemos mais nada.

Nisto, houve mudança de turno. Passagem de serviço. E nós ali à espera.

A nova médica entendeu que devia fazer mais soro.

Mais tempo de espera.

Chamaram-na depois das 22h. Para lhe dar alta. Não havia nada que pudessem fazer. Não era caso de internamento. E qualquer outra coisa não seria em urgência.

Soro em casa, é com o médico de família.

Sonda gástrica, é com o médico de família.

Outros exames, é com o médico de família.

Falei da dificuldade em deglutir. Não fazem consulta de otorrino em urgência, por isso, apenas podia referenciar para marcação de consulta.

Tive que pedir as análises feitas, porque dizem que não é hábito dar.

Saímos do hospital às 23h, com ela pior ainda do que tinha ido e, quando chegámos a casa e a deitámos na cama, só pensei. Não passa desta noite.

Mandaram-na para casa para morrer.

 

Ontem, já sem grande esperança, fomos ao Centro de Saúde.

Impecáveis.

Foi logo lá uma enfermeira pôr soro. Tivemos a aprender como se aplica.

À hora de almoço, foi a médica avaliá-la, e colocar a sonda gástrica. Tivemos a ver como se alimenta através da mesma.

Disse que calhámos com uma má equipa. Que não tivemos sorte. Que deveriam ter feito outros exames. Que deveriam ter passado um relatório de alta hospitalar. 

Queria que fossemos novamente à urgência, desta vez a outro hospital. Para ver se fazia o que o primeiro não fez. Recusámos. Nenhum de nós, principalmente a minha mãe, aguentava mais um dia inteiro num ambiente desses.

Lá passou uns exames para fazer cá fora. Para ver se se descobre a causa, para pensar no melhor tratamento. Que já estão marcados. E com sorte teremos transporte de doentes para a levar e trazer, porque ela está acamada.

Já fomos buscar uma cama articulada e um colchão antiescaras, emprestado pela Protecção Civil. Só falta montar, e transferi-la para lá. O que vai ser muito complicado.

Neste momento, falta-nos o apoio domiciliário, sobretudo para cuidados de higiene.

As listas de espera são grandes. E quando não é esse o caso, são os custos elevados que pedem.

Tínhamos uma instituição que poderia começar hoje. Abriam uma excepção, dada a urgência. Mas pediam 300 euros por mês. É a reforma da minha mãe! Tivémos que rejeitar. Agora é esperar por outras alternativas, mais baratas.

Até lá, temos que ser nós a mudar as fraldas, e tentar limpá-la minimamente, correndo o risco de o fazermos mal, de lhe partir alguma coisa, tal a fragilidade.

E não é fácil perceber o que diz. Ontem tive mesmo que pedir que escrevesse num papel, para poder ajudá-la.

Está tão fraca e debilitada, que o mínimo esforço lhe esgota as forças. Tem que ser tudo feito com tempo, calma e cuidado.

Mas para as duas médicas que a viram no hospital, estava de perfeita saúde!

Isto é só mesmo para rir, para não chorar com tamanha incompetência. Ou melhor, a facilidade com que descartam as pessoas e as responsabilidades para outros.

Já de um ou dois auxiliares e enfermeiros, e do segurança que por lá andava a ajudar, não tenho qualquer razão de queixa. Foram a única coisa positiva.

Tem sido uma semana para esquecer. 

Mas, ainda assim, apesar de tudo, está tudo a correr melhor do que prevíamos.

E está em casa, como sempre quis.