Quando o "eu" é anulado pelo "nós"
Numa relação, existem sempre duas pessoas que, antes de formarem um casal, já existiam individualmente.
Cada uma com a sua personalidade, identidade, características, qualidades e defeitos, sonhos e aspirações, objectivos e metas.
A partir do momento em que nascemos, somos um "eu", que nos acompanhará por toda a vida.
Quando estamos numa relação, esse "eu" deve continuar a coexistir com o "tu" e com o "nós".
Porque "eu" sou assim, "tu" és assim, e "nós" somos a junção dos dois, o complemento um do outro, o equilíbrio entre as duas partes.
Se deixamos que o "eu" seja anulado pelo "nós", é como se deixássemos de existir enquanto pessoas individuais, e passássemos a existir unicamente enquanto casal.
E isso não é benéfico para ninguém. Nem para a pessoa que se anula, que vive exclusivamente em função do nós, que deposita aí toda a a sua energia e pensamento, esquecendo-se de si próprio, nem para a pessoa que continua a saber separar as águas, que se começa a sentir sufocada e esgotada, por do outro lado não perceberem que para além do "nós", há um "eu" que não quer, nem deve, ser apagado.
Se quem se anula começa a exigir o mesmo do outro, quem se mantém firme percebe que a pessoa que tem ao seu lado não lhe interessa, que não tem a sua própria individualidade, que não traz nada de seu.
Ao vermos o programa "Casados à Primeira Vista", eu e o meu marido vamos discutindo as personalidades dos concorrentes, nomeadamente, do Hugo.
O meu marido "defende" o Hugo, diz que ele tem um bom coração, que está iludido, e que a Ana não está a fazer jogo limpo, daí muitas das suas acções. Ah e tal, o Hugo ficava melhor com uma pessoa como a Daniela ou a Eliana.
E eu contraponho: do Hugo, qualquer mulher quer distância. Nenhuma mulher conseguiria ter uma relação com um homem assim.
O meu marido diz que se identifica com o Hugo, e que também já foi assim.
Eu contraponho: pois eras, não a este ponto tão doentio, mas mudaste, senão já não estaríamos juntos.
É provável que o seu comportamento esteja a ser condicionado pela pressão, pelo programa, pelo facto de a Ana não querer saber dele para nada. É provável que, com uma mulher que se mostrasse mais interessada, mais aberta, mais disponível, mais carente, as coisas funcionassem, no início. Mas, chegaria o momento em que até elas quereriam o seu espaço, o seu tempo. Quereriam manter o seu "eu", e um homem assim não o permitiria porque, para estas pessoas, a partir do momento em que há uma relação, o "eu" e o "tu" têm que ser sacrificados, em prol do "nós".
E, tal como há homens assim, também há mulheres que pensam desta forma.
Quando de uma parte começa a haver exigências, cobranças, conflitos porque se anularam totalmente, e não vêem o mesmo sacrifício do outro lado, está aberto caminho para o fracasso.
A culpa? Será daquele “eu” que não se anulou, ou daquele “eu” que decidiu apagar-se?