A propósito do Titan...
É certo que incidentes, acidentes e tragédias podem acontecer a qualquer momento, sem que se possa fazer nada para evitar.
É certo que temos muito pouco controlo sobre a nossa vida, e o que se passa à nossa volta.
Mas isso não significa que tenhamos que brincar com as nossas vidas, ou servi-las, de bandeja, à morte.
Há determinadas situações em que uma pessoa ainda consegue ter o mínimo de controlo, ter poder de acção.
E outras, em que estamos totalmente dependentes.
É o caso de uma viagem de carro ou autocarro, em que estamos dependentes do condutor. De avião ou avioneta, em que dependemos do piloto. Um elevador, ou outros mecanismos do género.
E, neste caso, um submarino.
Só de pensar em entrar dentro dele, e imaginar ficar fechado, debaixo de água, sem qualquer hipótese de fuga, com oxigénio contado, já é suficientemente claustrofóbico, para não me meter lá dentro.
Porque é, literalmente, entregar a vida nas mãos de uma máquina, e confiar cegamente.
Quem já fez a viagem turística, garante que vale a pena o risco. Risco que, ao que parece, era do conhecimento de todos os que se atrevem a desafiar o destino.
Ainda assim, o que seria do mundo sem os aventureiros?
Hamish Harding era um desses aventureiros, que já tinha, inclusive, viajado até ao espaço, para além de ser detentor de três recordes mundiais do Guinness, incluindo o maior tempo durante um mergulho na parte mais profunda da Fossa das Marianas, o local mais profundo dos oceanos.
Paul-Henri Nargeolet, um oceanógrafo francês mais conhecido como Sr. Titanic, tantas as vezes que visitou os seus destroços (cerca de 25 mergulhos ao naufrágio desde 1987), foi outro deles.
Stockton Rush, marido de uma descendente de duas vítimas do naufrágio do Titanic, era também o CEO da OceanGate Expeditions, proprietária do submarino que o levou à morte. Mas, bem vistas as coisas, ele era o próprio a afirmar que a segurança era "puro desperdício".
Consigo compreender a vontade e o desejo destes três homens, em aventurar-se nesta expedição.
Já é mais difícil compreender quanto aos restantes dois tripulantes - Shahzada Dawood e Suleman Dawood - membros de uma das famílias mais ricas no Paquistão que, aparentemente, queriam só mesmo uma aventura diferente. Aliás, o pai queria, e o filho, apesar de estar, segundo uma familiar "apavorado", acabou por fazer a vontade ao pai.
E não é dos aventureiros que reza, quase sempre, a História?
Cinco pessoas morreram. E ficarão para sempre na História.
Duas tragédias interligadas: Titanic e Titan, o navio inafundável e o submarino que levava curiosos a explorá-lo.
Às vítimas, e aos destroços, do naufrágio de 1912 juntam-se, agora, em 2023, as vítimas, e os destroços, da implosão do submarino.
Maldição?
Acaso?
Destino?
Consequência de soberba, ostentação e irresponsabilidade?
Que importa...
Posso nunca ficar conhecida, ou ficar para a História. Posso nunca viver grandes aventuras. Ou grandes feitos.
Ainda assim, prefiro não correr riscos desnecessários.
Já basta tudo aquilo que temos mesmo que fazer, ou sobre o qual não temos qualquer poder de decisão.
Prezo muito a minha vida para arriscar perdê-la por puro capricho ou curiosidade sabendo, à partida, que, alguma coisa correndo mal (e aqui havia muitas coisas que podiam correr mal), a morte era certa, sem fuga possível.
Mas cada um sabe de si...
Imagem: ladbible