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Marta O meu canto

Guardamos tanta coisa só para nós - opiniões, sentimentos, ideias, estados de espírito, reflexões, que ficam arrumados numa gaveta fechada... Abri essas gavetas, e o resultado é este blog!

Marta O meu canto

Guardamos tanta coisa só para nós - opiniões, sentimentos, ideias, estados de espírito, reflexões, que ficam arrumados numa gaveta fechada... Abri essas gavetas, e o resultado é este blog!

1 Foto, 1 Texto #44

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Muitas vezes, aquilo que apontamos aos outros, nada mais é do que aquilo que nós próprios somos.

Aquilo que vemos nos outros, nada mais é que o nosso próprio reflexo.

Mas, ignorantes, ou cegos, pensamos que não. Até porque não identificamos essas características em nós.

E porque, afinal, acreditamos que conseguimos, realmente, ver e conhecer os outros, e o seu interior. 

 

Só que nem sempre os outros se mostram, ou dão a conhecer.

Aliás, quanto maior for, deste lado, o "brilho", mais encandeados ficamos com ele, e menos ele nos permite ver do outro lado.

Se, de ambos os lados, esse brilho exagerado se manifestar, acabam por se ofuscar um ao outro, e nada conseguirão ver, de nenhum deles.

O segredo está, então, em moderar ou até atenuar o nosso brilho, para que o outro lado seja mais visível, mais claro, e mais real.

 

 

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Texto escrito para o Desafio 1 Foto, 1 Texto 

 

Que demónio é este?...

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Mas que demónio é este, que por aqui ciranda?

Seja ele qual for, que volte depressa para de onde veio.

É impossível andar na rua.

 

Mal uma pessoa sai, fica à mercê dele.

Revoltoso, gélido, sem dar um único segundo de tréguas.

Esbofeteia-nos de um lado. E do outro.

Empurra-nos, fazendo-nos acelerar mesmo sem querer. Outras vezes, trava-nos, como se nos tentasse impedir de seguir caminho.

Desorienta-nos.

 

Já não basta a chama intensa que nos fere os olhos, também ele quase nos cega.

Enquanto nos debatemos com ele, nem nos atrevemos a respirar. Sustemos a respiração, até estarmos em relativa segurança.

Que só chega quando entramos em casa.

Até então, percorremos o caminho o melhor que conseguimos, quase sem o ver, em modo automatico, porque perceber onde estamos e com o que estamos a lidar é doloroso e cansativo demais.

 

Na rua, o demónio anda à solta.

Chama-se vento.

Já deveríamos estar habituados.

Mas o vento nem sempre está assim.

Com esta fúria desmedida. Com esta raiva descontrolada.

A fustigar cada centímetro da nossa pele, e do nosso corpo.

 

Em casa, continuamos a ouvi-lo.

A sentir que ele tenta, de todas as formas, quebrar as barreiras. Chegar até nós.

Mas não consegue.

E nós podemos, então, tranquilamente, abrir os olhos, que demoram a habituar-se à calmaria.

Podemos respirar de alívio.

Podemos descontrair o corpo que, só então, percebemos como estava contraído, e relaxar.

 

Até à próxima luta, quando tivermos que voltar à rua, e enfrentá-lo novamente.

 

 

A Ilusão do Iceberg

 

Quem está de fora, nem sempre vê, ou quer ver, o que está na origem daquilo que é mostrado.

Quando o que está visível é apenas a superfície, poucos são os que pensam naquilo que poderá ter dado origem à mesma, nos alicerces, na base de tudo, nas raízes de onde se obteve alimento, no que está abaixo da superfície, no que está para além daquilo que conseguimos ver. 

E, se é verdade que, em muitos casos, muitas superfícies não passam mesmo de isso, sem nada por baixo, e podem desaparecer tão depressa como surgiram, também é verdade que, muitas das mais belas superfícies são apenas o resultado de algo muito maior, que dificilmente se verá, mas que está lá.

 

 

O pior cego é aquele que não quer ver

 

Um jovem igual a tantos outros, fruto do amor entre duas pessoas, numa família que poderia ser perfeita, viu-se envolvido num ambiente de risco, com um pai alcoólico e violento, e com um grande sentimento de culpa a pesar-lhe nas costas. 

Como é que isso foi possível? Tudo corria bem até que o pai começou a queixar-se que a mãe dava mais atenção ao filho do que a ele, e de como tudo tinha mudado, depois de ele ter nascido.

Começou a beber, e a ser agressivo para a mãe de Joey, desculpando-se em seguida com a pressão do trabalho. Mas logo dizendo que, se não fosse o filho precisar sempre de alguma coisa, já se tinha despedido.

Ora, Joey foi crescendo com a ideia de que, se ele desaparecesse, tudo se resolveria. Foi por isso que, aos 9 anos, fugiu de casa. Esta foi a primeira chamada de atenção para o facto de que Joey não estava bem.

A segunda, foi quando começou a beber! Apesar de não gostar do sabor, fazia-o parar de chorar, esquecer tudo e adormecer rapidamente. Passou a utilizá-lo como anestésico, sempre que os pais discutiam.

Após o divórcio dos pais, que representou uma culpa acrescida, Joey sentia vergonha de se ter tornado igual ao pai. Mas também sentia que não conseguia tornar-se igual ao padrasto.

Quando a mãe e o padrasto o levaram às consultas de psicologia, já ele tinha pensado em suicídio. Embora no início Joey não quisesse ir, acabou por gostar da psicóloga. Mas esta nunca conseguiu chegar até ele, e isso frustrava-a, porque estava a ver o que, possivelmente, iria acontecer se ninguém agisse.

Aconselhou a mãe a não mudar o filho de escola. A mãe não quis saber e fê-lo. Aconselhou a mãe a interná-lo numa clínica, onde poderia ter outro tipo de tratamento. A mãe não quis ouvir. Pelo contrário, achou que o filho já não precisava de mais consultas, porque já não bebia, nem tão pouco de qualquer contacto com ela. Nunca soube que o filho queria, realmente, conversar com a psicóloga e ir para a clínica.

A juntar-se a isto, veio a gota de água. O desapontamento com o pai, que não o foi buscar como prometido, no dia da Acção de Graças. Mais uma vez, pensou que era culpa sua. E não queria mais isso.

A ponte era a solução! Tudo o que Joey queria era paz. Morrer era a forma de a obter. Joey tinha apenas 14 anos.

Por vezes os pais agem como se só eles soubessem o que é melhor para os seus filhos, e não querem ver o que está à sua frente, não compreendem ou ignoram os sinais, fazem orelhas moucas ao que quem pode ajudar tem a dizer. E depois, é tarde demais para encarar a verdade.

"Não acreditei em si. Não compreendi. Eu não sabia", foram alguns dos pensamentos que vieram à mente do padrasto de Joey, quando a psicóloga chegou ao hospital onde, mais tarde, Joey viria a falecer, após o suicídio.

Já a mãe, essa culpou a psicóloga, que deveria ter feito alguma coisa para o evitar, para o fazer feliz. Que deveria ter feito mais do que apenas conversar, semana após semana. Que deveria ter curado o seu filho.

No entanto, esta fúria mais não era do que uma forma de transferir para terceiros, aquilo que ela própria nunca quis ver. E não há pior cego que aquele que não quer ver...